Bolsonaro corre o risco de perder apoio de evangélicos, diz pesquisadora

De acordo com a socióloga Maria das Dores Campos Machado, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro e pesquisadora do pentecostalismo, os grupos religiosos são compostos de diferentes perspectivas e há inúmeras lideranças com viés mais progressista, o que explica o pedido de impeachment contra o presidente Jair Bolsonaro formulado por líderes evangélicos e católicos.

"A primeira coisa a ser dita é que a esfera religiosa reflete o que está acontecendo na sociedade como um todo. Os grupos religiosos são heterogêneos e têm diferentes perspectivas no seu interior", afirmou ao Estadão. A pesquisadora afirma ainda que o agravamento da crise do coronavírus pode inclusive afetar o apoio que o presidente recebe, desde 2018, das lideranças mais conservadoras.

<b>O que significa um pedido de impeachment que tem como autores líderes evangélicos e católicos?</b>

A primeira coisa a ser dita é que a esfera religiosa reflete o que está acontecendo na sociedade como um todo. Os grupos religiosos são heterogêneos e têm diferentes perspectivas no seu interior. O que a gente viu em 2018 foi um alinhamento de conservadores evangélicos, católicos e judeus em torno da candidatura do Bolsonaro e que vêm sustentando o presidente. Você tem padres e pastores que vão na porta do Palácio do Planalto cumprimentar o Bolsonaro ou fazer discursos a favor dele. Os grupos religiosos têm diferentes perspectivas. No caso específico desse movimento (pelo impeachment), você tem aí vozes dissidentes com relação aos conservadores.

<b>Pode dar exemplos?</b>

Não podemos esquecer que tanto o movimento evangélico quanto os católicos têm uma ala progressista que é minoritária mas que aparece em vários momentos da história brasileira. O PT foi criado com apoio de católicos e da ala progressista da CNBB. Há grupos como as Católicas pelo Direito de Decidir, as evangélicas que lutam pela igualdade de gênero, a Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito, há a Teologia Negra, um grupo preocupado com racismo estrutural. Você tem feministas evangélicas, e você tem minorias que são vozes dissidentes. E provavelmente é desse campo que vem essa mobilização de impeachment de Bolsonaro. É reflexo de uma mobilização maior que está acontecendo na sociedade brasileira.

<b>O agravamento da crise de covid-19 pode afetar o apoio que pastores evangélicos dão a Bolsonaro desde a eleição de 2018?</b>

Eu acho que sim, porque são vidas que estão sendo perdidas e isso mexe com famílias e com diferentes lideranças que vão, de uma certa forma, sentir isso dentro de suas comunidades. Então ele corre o risco de perder o apoio nesse meio. Embora a gente saiba que há também lideranças fisiológicas e que só largam o poder no último minuto. Mas existe sim uma possibilidade de ele perder popularidade, como aconteceu com Trump nos EUA. Ele caiu de 82% do apoio evangélico dos Estados Unidos nas eleições de 2016 e isso foi para 76% em 2020. Isso pode acontecer aqui no Brasil.

<b>Existe clima para a abertura hoje de um processo contra o presidente no Congresso?</b>

Eu acho que é importante que isso seja colocado e que a sociedade civil tome o máximo de iniciativa nesse sentido porque o presidente tem sido extremamente relapso e inconsequente. E a gestão dele tem sido muito maléfica para a população mais pobre e com menos recursos. A situação de Manaus, Pará e que está chegando em Rondônia… Está havendo um espraiamento do número de mortes e sem nenhuma preparação. Acho que essa é uma questão extremamente importante e acho que todos os grupos da sociedade que podem se manifestar nesse sentido deveriam fazê-lo. E acho muito saudável que comece a aparecer essas cisões também por parte dos grupos religiosos e a manifestação deles no espaço público com relação a isso.

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