Brasil na Berlinale

Na apresentação de seu filme Cidade Pássaro na seção Panorama da Berlinale, na sexta-feira, 21, à noite, o diretor e corroteirista Matias Mariani falou de sua relação com a cidade de São Paulo. Quando está nela, sente-se um estranho, com uma sensação de não pertencimento. Longe, tem saudade. São Paulo pode ser muita coisa, e com certeza é selvagem. O filme nasceu com esse olhar. Dois irmãos nigerianos. Um, o mais novo, vem buscar o mais velho, que desapareceu na cidade grande. Segue sua trilha, conhece pessoas. Segundo a tradição africana, o mais velho é o arrimo de família, a luz dos olhos da mãe, que não esconde a preferência por ele. O mais novo, de alguma forma, sofre por isso.

Shine Your Eyes – título internacional – revela o Brasil pelo olhar estrangeiro. É falado, parcialmente, em inglês. É um filme muito rico. Possui camadas. É um dos 13 representantes – de longa-metragem – do cinema brasileiro na Berlinale de 2020. Na sexta, Marco Dutra e Caetano Gotardo, diretores do filme brasileiro na competição (Todos os Mortos), foram prestigiar o colega do Panorama. Também estava na plateia Ricardo Alves Jr, codiretor, com Grace Passô, de Vaga Carene, outra atração brasileira no festiva. Todo mundo sabe que Berlim sempre foi o festival internacional mais receptivo ao cinema brasileiro. Ursos de Ouro, de Prata, prêmios de interpretação, Teddy Bears (o Urso gay). Esse domingo, 23, será especial para a produção brasileira na Berlinale. Às 22h – 18h em Brasília -, ocorrerá as sessão oficial de Todos os Mortos no Palast. Um pouco antes, ocorrerá a exibição de Nardjes A., de Karim Aïnouz, em Panorama Dokumente.

Dutra e Gotardo são estreantes na Berlinale. Karim já esteve aqui muitas vezes, até concorreu (com Praia do Futuro), mas, como diz, ninguém fica imune à pressão e ao nervosismo de apresentar seu filme num, foro como Berlim. Todas essas participações brasileiras – 19 títulos, no total, contados os curtas – se dão num momento particular.

Todos os Mortos conta a história de quatro mulheres no Brasil pós-proclamação da República e libertação dos escravos. Uma mãe e as duas filhas no que restou da propriedade familiar. A ex-escrava que permaneceu agregada. A condição das mulheres na sociedade patriarcal – o pai e marido ausente continua à frente da família. A origem da desigualdade social como um mal endêmico do País. Nardjes A. tem outra pegada, mas a questão feminina (feminista?) segue forte. Karim foi à Argélia para fazer um documentário sobre seu pai. A ideia era remontar às origens familiares. Lá chegando, ele encontrou uma sociedade em ebulição. Protestos nas ruas. A revolução do sorriso. Nardjes A. faz parte dessa nova Argélia de mulheres empoderadas. Karim redirecionou seu projeto. Na sequência de A Vida Invisível, voltou ao tema das mulheres. Filmou sua personagem como pôde – isto é, com iPhone. É um autor que ousa – nos temas e na linguagem.

São autores e autoras talentosos. Já se fala muito de Vento Seco, de Daniel Nolasco, como outro possível Urso queer para o Brasil. Gustavo Vinagre, Paula Gaitán, Frederico Segtowick, Caru Alves de Souza, Gil Baroni, Vinicius Lopes e Luciana Mazeto assinam outros filmes que compõem a numerosa representação brasileira. E o mais importante – as pessoas compram ingressos para as sessões oficiais. As de filmes brasileiros estão sempre lotadas. O de Cidade Pássaro teve participação de Preta Ferreira, que lidera movimentos de ocupação urbana em São Paulo. Sua fala foi emocionante, como o próprio filme. Foram ambos muito aplaudidos.

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