Desde que seu documentário Babenco – Alguém Tem Que Ouvir o Coração e Dizer: Parou foi escolhido para representar o Brasil na disputa pelo Oscar de Melhor Filme Internacional, em 18 de novembro, a atriz e cineasta Bárbara Paz iniciou uma corrida contra o tempo. Afinal, era dada a largada de uma campanha de divulgação do longa entre os votantes da Academia de Hollywood, uma corrida curta e cuja disputa normalmente conta com muito dinheiro.
"Campanhas relacionadas ao Oscar normalmente envolvem milhões de dólares – a nossa é uma ação entre amigos", conta Bárbara, que participa hoje do último grande evento promocional: às 23h (horário de Brasília), começa a exibição de um debate virtual sobre o filme para setores do mercado e votantes do Oscar. Contará com a participação do produtor associado e ator Willem Dafoe, além de Bárbara, da produtora Myra Babenco (filha de Hector) e da mediadora Jen Yamato, repórter do Los Angeles Times, jornal que organiza o evento.
Depois disso, começa a contagem regressiva até o dia 9 de fevereiro, quando a Academia divulga a "shortlist", ou seja, a pré-lista de finalistas em diversas categorias, incluindo Melhor Filme Internacional, na qual Babenco concorre. A última vez que o Brasil contou com um representante entre os nove escolhidos foi em 2008, com O Ano em Que Meus Pais Saíram de Férias, de Cao Hamburger.
"Até lá, publicaremos mais anúncios na imprensa especializada, como a revista Variety e o site Deadline, e ficamos na torcida", explica Bárbara que, com isso, encerra a primeira fase da campanha. "Se o filme figurar na shortlist, iniciamos a segunda fase, que deverá contar com um distribuidor internacional."
Isso significará um tremendo reforço na divulgação, tanto financeiro como de mídia, até 15 de março, quando saem as indicações dos cinco finalistas para o Oscar, cuja cerimônia de entrega está marcada para Los Angeles, dia 25 de abril – por enquanto, ainda de forma presencial.
Mesmo que não alcance esse objetivo, Bárbara Paz já terá conquistado uma vitória fenomenal. Babenco – Alguém Tem Que Ouvir o Coração e Dizer: Parou é um documentário-poema, que registra os últimos meses de vida de Hector Babenco, um dos maiores cineastas nacionais, autor de obras fundamentais como Pixote, Lúcio Flávio e O Beijo da Mulher Aranha, entre outros, e que morreu em 2016, aos 70 anos.
Companheira do diretor na vida e na arte, Bárbara começou a fazer os registros quando Babenco rodava Meu Amigo Hindu, seu derradeiro longa, e continuava uma incansável luta contra o câncer – o primeiro foi diagnosticado quando ele tinha 38 anos. "Eu não queria realizar um documentário clássico, com pessoas opinando sobre ele, pois Hector estava vivo. Ele mesmo dizia isso, quero ser o protagonista da minha própria história, não quero que ninguém fale de mim", conta. "Assim, fizemos um filme muito pessoal, em que ouvi Hector falar sobre ele mesmo."
Como a figura pública do cineasta já era amplamente conhecida, Bárbara optou por um longa autoral, que vagueia pelo subconsciente de um homem que resistia, mas sabia que estava com os dias contados. "Aos poucos, ele foi baixando o escudo e se revelou o pensador, o poeta, o homem que lutava para sobreviver. Por isso, as cenas íntimas são, disparadamente, as melhores. É uma carta de amor ao cinema."
O longa, que continua em cartaz no cinema e destaca o confronto entre a força intelectual e a fragilidade física, estreou mundialmente no Festival de Veneza de 2019 e faturou os prêmios de Melhor Documentário na Mostra Venice Classics e da crítica independente. Isso logo o credenciou para o Oscar desta categoria, mas, quando foi escolhido para representar o Brasil no prêmio de Filme Internacional, os rumos mudaram.
"Começamos a concentrar esforços para essa categoria", explica Bárbara, que recebeu apoio financeiro dos coprodutores Globo Filmes e Canal Brasil, além dos apoiadores Globo, Itaú e SpCine – nenhum tostão do governo federal. Com isso, foi possível bancar os custos das primeiras exibições e dos anúncios na mídia especializada dos EUA, que consumiram cerca de US$ 8 mil. "Confeccionamos cópias de DVDs também, pois há jurados, como o cineasta e roteirista Paul Schrader, que se recusam a assistir por streaming."
Com a pandemia, a Academia de Hollywood criou um portal no qual os votantes podem assistir em casa aos filmes de todas as categorias. Mesmo assim, é preciso fazer publicidade para chamar atenção. Uma forma é a de debates virtuais, como o desta terça, envolvendo personalidades. Em encontros passados, Bárbara contou com a presença desde o cineasta e pintor Julian Schnabel até o diretor Walter Salles, empenhados em ressaltar as qualidades do documentário. Schnabel, aliás, emocionado com o filme, afirmou que Bárbara conseguiu fazer o que Babenco ambicionava em Meu Amigo Hindu: uma leitura em vida de sua trajetória.
Ao mesmo tempo, como reforço de caixa, foi criada uma campanha de crowdfunding (www.benfeitoria.com/babenco) para arrecadar R$ 200 mil – a meta tem de ser atingida até o dia 31 e, até esta segunda, estavam garantidos R$ 137.105. "Se o filme figurar na shortlist, iniciaremos a segunda fase da campanha, para arrecadar outros R$ 300 mil, pois a publicidade terá de ser maciça", explica Bárbara.
Babenco é um dos 7 documentários que concorrem como Filme Internacional, um fato inédito. Entre eles, há fortes candidatos como o italiano Notturno e o romeno Collective. "São todos grandes filmes", comenta Bárbara, que conta com um publicista em Los Angeles para cuidar da campanha, além de receber dicas de Petra Costa, cujo documentário Democracia em Vertigem foi finalista no ano passado.
"Acho que Hector estaria feliz com todo esse trabalho", confidencia Bárbara, que ainda se emociona ao lembrar de uma observação do companheiro: "Eu não conhecia esse tipo de amor".
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>