Agentes de fiscalização da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) não embarcavam há cinco anos no navio-plataforma Cidade de São Mateus, onde, no último dia 11, uma explosão deixou seis mortos e três desaparecidos.
O controle do sistema de prevenção a acidentes estava sendo feito exclusivamente por documentos enviados pela Petrobras, concessionária da área onde está instalada a plataforma, da multinacional norueguesa BW Offshore.
Para o Tribunal de Contas da União (TCU), esse modelo de controle é “ineficaz”, como afirma em relatório. E a própria ANP admite ter conhecimento de que empresas não são totalmente precisas sobre incidentes e falhas na segurança das embarcações. A prestação de informações “inverídicas” levou a agência a multar petroleiras em R$ 1,3 milhão em 2013, último ano em que divulgou relatório sobre a segurança da operação da indústria.
Os nomes das empresas que teriam omitido ou forjado informações sobre as condições das plataformas e sondas de perfuração não são revelados. A agência informa apenas, em outro relatório, a existência de 156 unidades produtoras de petróleo e gás no País, das quais 93,6% são da Petrobrás.
Para a ANP, toda responsabilidade sobre as condições das unidades produtoras de petróleo e gás é das empresas concessionárias das áreas. No caso da plataforma Cidade de São Mateus, a responsável é a Petrobras, operadora dos campos de Camarupim e Camarupim-Norte, onde está instalada a embarcação.
A resolução da ANP 43/2007, que trata da segurança, determina que o concessionário é obrigado a criar um sistema de gestão de riscos e a verificar a sua execução. Já a ANP deve controlar o desempenho do sistema de segurança das companhias petroleiras, por meio de auditorias nas embarcações e da análise de documentação enviada por elas.
A avaliação do TCU, no entanto, é que, com esse modelo de fiscalização, a ANP não é capaz de evitar, por exemplo, que embarcações sejam autorizadas a operar sem antes serem submetidas à inspeção a bordo, “o que contribui para o incremento do risco de acidentes”.
Relatório produzido pelo tribunal em 2012 alerta para o fato de que “autorizar o funcionamento de plataformas petrolíferas com base em documentos declaratórios oriundos de concessionárias (empresas petroleiras)” reduz a eficácia da fiscalização da agência.
O tribunal chegou a sugerir que a ANP realizasse ao menos uma visita por ano a todas as sondas e plataformas em funcionamento, mas não chegou a incluir esse ponto entre as recomendações feitas à agência para melhorar a fiscalização dos sistemas de segurança.
O acórdão 2752/2012 traz 18 recomendações ao órgão, entre elas, a adoção de meios para verificar a veracidade das informações prestadas pelas empresas petroleiras e o ajuste do “seu quadro de pessoal técnico às reais necessidades de fiscalização”. O processo foi encerrado ainda em 2012. A ANP informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que todas as recomendações do TCU foram cumpridas.
Atualmente, a agência conta com 32 profissionais concursados cuidando exclusivamente da fiscalização de incidentes e das condições em que operam todas as instalações da indústria do petróleo, o que inclui plataformas, sondas de perfuração, campos terrestres e uma rede de quilômetros de dutos.
Ao contrário do que sugere o TCU, para a ANP, o sistema de fiscalização adotado é “um dos mais modernos do mundo”, por ter sido baseado “em amplo estudo sobre as normas adotadas em países como Estados Unidos, Canadá, Noruega, Reino Unido e Austrália”.
O especialista em segurança pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Moacyr Duarte, avalia que o modelo de fiscalização da indústria petroleira do Brasil por uma agência reguladora, que tem uma série de atribuições, entre elas a fiscalização, é singular em relação a outros países.
Ao mesmo tempo, segundo Duarte, utilizar as informações fornecidas pelas petroleiras para investigar as operações é uma prática comum na indústria. O importante nesse trabalho, diz o especialista, é conseguir processar todos os dados de todas as empresas para tirar conclusões que remontem o histórico dos acontecimentos em cada uma das instalações em atividade.
“O papel do fiscalizador é checar se a massa de informações que recebe conta uma história coerente. Os dados enviados pelas empresas funcionam para indicar a frequência e o local das inspeções a serem realizadas”, afirma.
A auditoria da ANP é baseada em amostras recolhidas nas visitas às plataformas e sondas, segundo o relatório de segurança da agência. Naquele ano de 2013, foram vistoriadas 36 plataformas. A conclusão sobre a gestão da segurança pelas empresas é que houve retrocesso no “planejamento e disponibilização de recursos”.
A agência avaliou ainda no relatório de 2013 que houve “degradação da segurança operacional”, além de “aumento no número de feridos e piora na gravidade dos eventos”. Entre os incidentes reportados, os mais frequentes foram os de incêndios e explosões, como o ocorrido na plataforma Cidade de São Mateus.