Um homem negro foi espancado e morto por dois homens brancos em um supermercado Carrefour, na zona norte de Porto Alegre, na noite desta quinta-feira, 19, véspera do Dia da Consciência Negra. Um dos agressores era segurança do local e o outro, policial militar temporário e as investigações apontam que ele fazia "bico" de vigilante. A vítima, João Alberto Silveira Freitas, tinha 40 anos, e foi imobilizada pelos vigias, com o joelho de um deles nas suas costas. O laudo médico apontou morte por asfixia. Os seguranças foram presos e serão indiciados por homicídio. A Polícia Civil disse apurar motivação racial.
Vídeos compartilhados nas redes sociais mostram parte das agressões e o momento que João Alberto é atendido por socorristas. Em uma das gravações, ele é derrubado e atingido por ao menos 12 socos. Ao fundo, uma pessoa grita "vamos chamar a Brigada (Militar)".
Uma mulher de camisa branca e crachá, que também seria funcionária do Carrefour, aparece ao lado dos agressores, filmando. Ela já foi identificada e será ouvida. Outro registro mostra a vítima desacordada e há marcas de sangue no chão.
Milena Alves, de 43 anos, mulher da vítima, disse à Rádio Gaúcha que o marido havia feito uma brincadeira com a mão para uma atendente do Carrefour, que teria interpretado como ofensa ou até tentativa de agressão. "Ele simplesmente acenou com a mão. Era muito brincalhão." Ela foi pagar as contas e o marido se afastou. Ao descer a escada rolante, contou ver dois seguranças correndo. "Quando cheguei lá embaixo, ele já estava imobilizado. Ai pediu: Milena, me ajuda. Fui, os seguranças me empurraram. Fui ver e já estava morto", diz.
Vizinho da vítima, Paulão Paquetá contou ao <b>Estadão</b> ter visto o espancamento. Segundo ele, as agressões duraram sete minutos. "Eu estava a uns 10 metros quando começou. Tentamos intervir, mas não conseguimos." Segundo relata, cerca de outros oito seguranças ficaram no entorno, impedindo a aproximação de quem tentava conter as agressões. "A gente gritava tão matando o cara, mas continuaram até ele parar de respirar, fizeram a imobilização com o joelho no pescoço do Beto, como foi com o americano." Paquetá se refere a George Floyd, negro morto por um policial branco nos EUA, em maio. O caso motivou protestos.
Ainda de acordo com Paquetá, alguns motoboys que filmaram a violência tiveram os celulares tomados para não registrar toda a ação. Ele ainda disse que há outros relatos de truculência por parte de seguranças do supermercado no bairro.
Os dois seguranças terceirizados do Carrefour, Giovane Gaspar da Silva, PM temporário, e Magno Braz Borges serão indiciados por homicídio triplamente qualificado – por motivo fútil, asfixia e impossibilidade de defesa da vítima. Segundo a delegada Roberta Bertoldo, da 2ª Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa, mais envolvidos são investigados por omissão de socorro. À tarde, ela disse que não ver "cunho racial" no crime. À noite, a chefe de Polícia do Estado, delegada Nadine Anflor, afirmou que ainda apuram se houve motivação racial.
<b>Empresas</b>
O CEO global do Carrefour, o francês Alexandre Bompard, afirmou que a empresa "não compactua com racismo e violência" e que pediu ao Carrefour Brasil que haja "revisão completa" do treinamento dos colaboradores e de terceiros sobre segurança, respeito à diversidade e valores de respeito e repúdio à intolerância. Com mensagens em português no Twitter, afirmou que as imagens "são insuportáveis".
Em nota, o Carrefour Brasil classificou a morte de "brutal" e disse que adotará "medidas cabíveis para responsabilizar os envolvidos". Prometeu romper contrato com a empresa responsável pelos seguranças e que o funcionário no comando da loja durante o ato "será desligado".
O Grupo Vector, empresa terceirizada de segurança, disse não tolerar violência e que "se sensibiliza" com a família da vítima. Ainda alegou que os colaboradores recebem treinamento que zela pelo respeito à diversidade. O Comando da Brigada Militar destacou que um PM temporário (função de um dos agressores) só pode realizar funções administrativas e não policiamento nas ruas. Disse ainda que ele será retirado da corporação.
<b>Nós esperamos justiça, diz pai de morto</b>
João Batista Rodrigues Freitas, de 65 anos, lamentou nesta sexta-feira, 20, a morte de seu filho, João Alberto Silveira Freitas, de 40 anos, espancado e morto no estacionamento do Carrefour. "Nós esperamos por Justiça. As únicas coisas que podemos esperar é por Deus e pela Justiça. Não há mais o que fazer. Meu filho não vai mais voltar", disse.
Segundo Freitas, enquanto estava sendo agredido, o filho tentou pedir socorro à mulher, Milena Borges Alves. "Ela me contou que o segurança apertou o meu filho contra o chão, e ele já estava roxo. Fazia sinal com a mão para ela fazer alguma coisa, tirar o cara de cima e um outro segurança empurrou a Milena."
Na entrada do Departamento Médico Legal, ele relatou que estava num culto evangélico quando recebeu a ligação da nora pedindo ajuda. "Foi uma coisa horrível. Espero que ninguém passe por isso. Perder o filho daquela maneira, sendo agredido bruscamente por facínoras. Chamar aquilo de segurança é desmerecer os verdadeiros seguranças. Eu não sei o que leva a pessoa a agir desta forma. Para mim este crime teve um grau de racismo. Não é possível, uma pessoa ter tanta fúria de outra pessoa. Espero que a Justiça seja feita", desabafou.
"Quando eu cheguei os paramédicos já estavam nos últimos atendimentos. Logo em seguida, ele não teve mais recuperação. Agora, não temos mais o que fazer", disse emocionado.
À reportagem, o pai descreveu o filho como um homem tranquilo. Além disso, comentou que a vítima e a esposa há anos fazem compras no mesmo supermercado. "Eles frequentavam o mercado quase todos os dias. Ele até me incentivou a fazer um cartão do mercado. Nunca tivemos problemas e nunca discutimos ou batemos em ninguém", afirmou o pai logo após a morte do filho.
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>