Investigações sobre setores da economia que não têm relação com a Operação Lava Jato – que apura casos de corrupção relacionados à Petrobrás – proliferam no País. Um segmento que vem sendo acompanhado de perto pela Justiça é o de saúde, por causa de sua forte ligação com o poder público. Em janeiro, duas multinacionais de equipamentos médicos e implantes – Orthofix e a Zimmer Biomet – fecharam acordos de leniência nos Estados Unidos em que assumiram o pagamento de propinas no Brasil.
As investigações também acontecem por aqui, mas ainda sem conclusão sobre os casos. Pelo menos três companhias tiveram seus nomes recentemente envolvidos em casos de delação premiada: EMS e Hypermarcas, de medicamentos, e a Amil, de planos de saúde. Além das apurações comandadas pelas autoridades, o setor também é alvo de investigações internas, como a do Hospital Albert Einstein, que pediu para a polícia averiguar a relação de seus médicos com fornecedores.
A saúde é a “bola da vez”, diz o advogado Giovanni Paolo Falcetta, do escritório Tozzini Freire, que se especializou em auxiliar empresas em programas de compliance (cumprimento de regras e leis). Para os investigadores, o setor entrou fortemente no radar depois da delação do ex-senador Delcídio do Amaral, que disse que “questões envolvendo laboratórios farmacêuticos e planos de saúde na arrecadação de propina têm despertado grande interesse das lideranças políticas nas indicações de nomes para as agências ANS e Anvisa, a exemplo do que ocorria na Petrobrás”.
A EMS chegou a ser citada na delação de Delcídio e também já havia tido seu nome ventilado nas primeiras delações da Lava Jato como tendo ligação com o ex-ministro José Dirceu. A empresa nega as acusações e informa que não está sendo investigada. Hypermarcas e Amil também dizem que não estão sendo investigadas e acabaram envolvidas em denúncias ligadas a ex-executivos.
No caso da Hypermarcas, o ex-diretor de relações institucionais Nelson Mello assumiu que pagou propina a agentes públicos, mas sem envolvimento da companhia. Já a Amil viu seu nome ser citado em acordo de delação do advogado paulista Flávio Calazans, que alega ter recebido dinheiro de três empresas ligadas ao ex-controlador Edson Bueno. As empresas seriam os hospitais Nove de Julho, Clínicas de Niterói e uma imobiliária, que teriam repassado R$ 1 milhão a contas de Calazans, segundo reportagem da revista Época. O dinheiro abasteceria o PMDB. O advogado diz que não pode comentar o caso, em função do acordo com o Ministério Público.
Em nota, a assessoria de Edson Bueno diz que “nem tudo passa pelo presidente da empresa, porém todas as contratações, quando ocorrem, são feitas mediante contrato e nos termos da legislação vigente”. Já a Amil, que hoje pertence à americana UnitedHealth, afirma que “suas relações comerciais e institucionais são pautadas por princípios legais e éticos”.
Segundo fontes ligadas à UnitedHealth, a empresa chegou a fazer uma investigação interna, mas não encontrou irregularidades. A preocupação da empresa está relacionada ao poder do Departamento de Justiça americano – o DoJ, na sigla em inglês.
Laços. Segundo a advogada Ana Belloto, do escritório Feldens Madruga, o setor de saúde é muito visado porque geralmente envolve grandes contratos com o poder público. Já a advogada criminalista Sylvia Urquiza explica que as empresas do setor precisam tomar cuidado adicional porque costumam depender da atuação de distribuidores, que não são diretamente ligados a elas, mas pelos quais são responsáveis.
Um dos acordos fechados neste ano com o DoJ pela Zimmer Biomet, empresa que faturou US$ 6 bilhões em 2015 e produz implantes dentários e ortopédicos, envolveu justamente o pagamento de propinas por distribuidores. A empresa já tinha fechado um acordo anticorrupção em 2012. Mesmo depois disso, descobriu que um distribuidor no Brasil pagava propinas a agentes públicos. A empresa também encontrou irregularidades no México. O acordo com o DoJ prevê multa de US$ 30,5 milhões.
Já a Orthofix, de equipamentos médicos, que fatura US$ 400 milhões por ano, firmou acordo com a SEC para pagar US$ 14 milhões. A empresa se autodenunciou às autoridades, segundo seu comunicado. No Brasil, pagava médicos para indicar seus produtos.
Para o advogado Renato Portela, do escritório Mattos Filho, outros setores serão envolvidos em investigações de corrupção nos próximos anos. Alguns desdobramentos da Lava Jato chegaram a áreas como infraestrutura, energia e de frigoríficos. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.