O juiz substituto Rolando Valcir Spanholo, da 21ª Vara Federal do Distrito Federal, atendeu a mais uma entidade privada e liberou a compra de vacinas por uma universidade particular da Paraíba sem a necessidade de repasse das doses ao Sistema Único de Saúde (SUS). Como mostrou o <i>Estadão</i> nesta terça-feira, 6, o magistrado tem sido acionado desde o último dia 25 por empresas e associações que buscam liminar para obter o imunizante sem a contrapartida da doação ao sistema de saúde.
Em apenas 12 dias, nove entidades foram atendidas pelo juiz Spanholo, que defende a entrada da iniciativa privada na campanha de vacinação como um "complemento" ao governo federal. A liminar (decisão temporária) em benefício da Unifacisa eleva o número de decisões favoráveis para dez e aumenta pressão no Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), que foi acionado para rever as medidas determinadas em primeira instância.
Na decisão, o juiz Spanholo segue o mesmo entendimento que tem usado para beneficiar as demais empresas. Segundo ele, a exigência de repasse de vacinas compradas pela iniciativa privada ao SUS é um "flagrante retrocesso normativo", pois retira das empresas "o direito de usar os fármacos que serão por elas importados quando o mercado internacional se abrir para a iniciativa privada".
"Com as devidas vênias, o art. 2º da Lei 14.125/21 (que prevê a obrigatoriedade do repasse ao SUS) não ajuda a resolver o gravíssimo quadro de pandemia que vivemos (inclusive, até o momento, não há notícias de qualquer adesão oficial de empresas privadas), como ainda tem o poder de retirar da iniciativa privada brasileira o direito de DISPUTAR COM A INICIATIVA PRIVADA DO RESTO DO MUNDO as vacinas adicionais que a indústria farmacêutica colocará em breve no mercado (a história do mundo capitalista garante que isso será inevitável)", escreveu.
A obrigação de repasse ao SUS foi fixada em lei sancionada no mês passado pelo presidente Jair Bolsonaro. A legislação prevê que as vacinas adquiridas pela iniciativa privada devem ser integralmente doadas ao sistema público até o término da imunização dos grupos prioritários, o que segundo estimativas iniciais do Ministério da Saúde só deve ocorrer no final deste semestre. Somente depois dessa fase, as empresas podem manter 50% das doses compradas enquanto as demais devem ser repassadas ao Plano Nacional de Imunização.
A primeira liminar do juiz Spanholo foi proferida no último dia 25 em favor de dois sindicatos e uma associação do Distrito Federal. Desde então, decisões semelhantes foram estendidas a outras empresas e entidades de São Paulo, Minas Gerais, Ribeirão Preto (SP), Rio de Janeiro e Brasília, que apresentaram pedidos semelhantes e foram atendidas.
Em nota publicada no site da instituição, a Unifacisa informa que usará as doses para vacinar professores, colaboradores e até alunos e diz que está em negociação para adquirir os imunizantes. "Não podemos desperdiçar qualquer chance de salvar vidas, essa decisão irá beneficiar todos os nossos professores, colaboradores e estudantes da Unifacisa. Recorremos à Justiça para garantir a permissão para importar as vacinas contra a covid-19 e aplicá-las em nossa comunidade acadêmica", afirmou o chanceler Dalton Gadelha. "Estamos em conversa com empresas em outros países para conseguir importar essas vacinas, é importante destacar que se trata de doses oferecidas à iniciativa privada e não aos governos".
No entanto, as principais farmacêuticas responsáveis pela produção de imunizantes contra a covid-19 afirmam que só negociam diretamente com governos e organismos públicos internacionais. Em informe divulgado pelo Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos (Sindusfarma) em nome da AstraZeneca, Janssen, Pfizer e Instituto Butantan, as empresas afirmam que não disponibilizam doses para compra da iniciativa privada.
"Seguindo critérios internacionais e de interesse coletivo, as empresas AstraZeneca, Butantan, Janssen e Pfizer estão negociando, fornecendo e distribuindo suas vacinas contra a Covid-19 exclusivamente para governos federais e organismos públicos internacionais da área da Saúde. Desta forma, neste momento, nenhuma empresa ou pessoa física está autorizada a negociar em nome destas empresas fabricantes de vacinas contra a Covid-19 com nenhum ente público ou privado, seja direta ou indiretamente", afirmam as farmacêuticas.
As liminares que permitem a compra de vacinas pela iniciativa privada são questionadas pela AGU, que alerta para risco de comprometimento do Plano Nacional de Vacinação.
"Subverter o critério de priorização indicado no PNO (Plano Nacional de Operacionalização contra a covid-19), permitindo que um determinado segmento da sociedade se imunize antes das pessoas que integram os grupos mais vulneráveis, representa um privilégio que desconsidera os principais valores que orientam o Sistema Único de Saúde, notadamente a equidade e a universalidade", frisou a AGU.
<b>Veja a lista de entidades privadas que obtiveram autorização para comprar vacinas sem doar ao SUS:</b>
– Sindicato dos Servidores da Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais (Sindalemg)
– Sindicato dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo (Sindpesp)
– Associação Brasiliense das Agências de Turismo Receptivo (Abare)
– Sindicato dos Trabalhadores em Sociedades Cooperativas do Estado de Minas Gerais (Sintracoop)
– Federação das Empresas de Transporte de Passageiros do Estado de Minas Gerais (Fetram)
– Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos Bancários de Ribeirão Preto e Região
– Oregon Administradora de Shopping Centers
– Sindicato dos Médicos do Distrito Federal (Sindmédico/DF)
– Refinaria de petróleos de Manguinhos S/A
– Centro de Ensino Superior e Desenvolvimento Ltda (Unifacisa).