As equipes de Fórmula 1 não estão ansiosas somente para o início da temporada 2019. Também neste mês de março, uma nova data vem concentrando as preocupações da categoria. No dia 29, quase duas semanas após o primeiro GP do campeonato, marcado para este domingo, na Austrália, o Reino Unido deixará oficialmente a União Europeia. O chamado “Brexit” pode trazer fortes consequências para a F-1.
Com o país fora da União Europeia, a categoria sofreria dificuldades econômicas e logísticas porque sete das atuais dez equipes do campeonato tem sede na Inglaterra, nos arredores de Londres – a Haas tem sua base principal nos Estados Unidos, mas conta também com um apoio na cidade inglesa de Banbury.
Ferrari, Toro Rosso e Alfa Romeo (ex-Sauber) seriam as grandes beneficiadas pelo Brexit. E, como a equipe italiana brigou pelo título com a Mercedes em 2018, uma vantagem deste tipo poderia até ajudar a decidir o campeonato.
As principais consequências para os times com fábricas em solo britânico seriam as limitações para a entrada de funcionários e equipamentos no Reino Unido. Haverá, por exemplo, maiores obstáculos para a importação de matérias-primas e peças. Além disso, pessoas de outros países terão que buscar visto e correr o risco de não poderem mais trabalhar nas sedes das equipes.
“Hoje as fronteiras estão abertas, o que possibilita a entrada de pessoas e de materiais. A circulação é muito fácil, rápida e livre. Mas, com o Brexit, vai haver uma burocracia maior e as equipes perderão mais tempo para entrar e sair do país”, explica a economista Juliana Inhasz, professora no Insper, em entrevista ao Estado. “Eles vão perder agilidade porque haverá todo um procedimento de entrada, com documentação, análise dos materiais. Isso vai exigir um planejamento melhor, um ajuste dos recursos, uma nova programação.”
A perda de tempo e de dinheiro já acendeu o alerta nas equipes. “O Brexit Vai nos custar mais, haverá mais papelada, mais questões administrativas, vai levar mais tempo. Se você precisa preencher mais formulários, pagar impostos, pagar tarifas, tudo isso vai nos custar mais, a ponto de alterar o nosso capital de giro”, prevê Jonathan Neale, chefe de operações da McLaren.
Serão mais raras, portanto, situações comuns na F-1, como viagens de última hora para buscar componentes nas fábricas, da noite para o dia, no meio das etapas. “Buscamos peças dos carros e serviços com rapidez, de última hora, no Reino Unido e qualquer contratempo na fronteira ou na entrada no país vão causar um estrago massivo na indústria da Fórmula 1 no Reino Unido”, atesta o chefe da Mercedes, Toto Wolff.
O dirigente da equipe que venceu os últimos cinco Mundiais de Construtores é um dos mais preocupados com a situação. “O Brexit é a mãe de todas as confusões para nós”, afirma. “Poderá ser um cenário de pesadelo, com grande impacto em nossas operações para ir até as corridas e desenvolver os carros.”
Wolff admite já pensar em alternativas. “Temos alguns planos em andamento, como ter mais estoque e pensar sobre como conseguiríamos as peças e como fazer com que os funcionários entrem e saíam do país com mais agilidade. Mas mesmo assim seria um transtorno e causaria muitas dores de cabeça a todas as equipes britânicas, enquanto que a Ferrari, na Itália, e a Sauber (atual Alfa Romeo), na Suíça, teriam uma enorme vantagem sobre todos os times do Reino Unido.”
Além do gasto maior de tempo e de dinheiro, as equipes temem perder talentos para rivais localizados na Europa continental. Na Mercedes, por exemplo, há funcionários de 26 diferentes nacionalidades. “Provavelmente, muitas pessoas vão deixar de trabalhar nestas fábricas na Inglaterra. Com o fim dos acordos de cooperação, as pessoas terão que receber algum tipo de visto, registro. Será criada uma burocracia que também vai tomar tempo”, explica Juliana Inhasz.
Se preocupa as equipes, o Brexit parece não incomodar o chefão da Fórmula 1, Chase Carey. “Quanto às questões econômicas, acho que vamos ficar imunes às consequências do Brexit. Teremos questões logísticas: como vamos entrar e sair do Reino Unido com tantos equipamentos? Mas isso não é uma questão financeira, é mais logística. Teremos um plano de contingência para isso”, promete o norte-americano.
FUTURO – A médio e longo prazo, os times da F-1, na maioria britânicos, temem que a mudança do status do Reino Unido diante da Europa traga mudanças econômicas profundas para a região, com o possível êxodo das equipes em busca de melhores condições para trabalhar na área continental.
Historicamente, os arredores de Londres se tornaram no século XX uma espécie de “Vale do Silício do automobilismo”, conhecido pela inovação, troca de ideias e grandes avanços no setor, o que influencia diretamente os carros que também circulam pelas ruas do país e do mundo.
“O Brexit coloca uma grande pedra, um muro na frente de muita empresa, que antes aproveitava o fato de estar inserida numa comunidade econômica, com benefícios alfandegários, com inúmeras vantagens e que agora não vão ter mais”, explica Inhasz, do Insper. “Com a saída, essas empresas terão um custo maior e eventualmente uma maior dificuldade de importar e exportar produtos e, por consequência, maior dificuldade de honrar prazos”, alerta a professora.
De acordo com a Associação da Indústria do Automobilismo, cerca de 75% da pesquisa e do desenvolvimento do automobilismo mundial acontece no Reino Unido. O “Vale do Silício do automobilismo” tem faturamento anual estimado de 9 bilhões de libras (cerca de R$ 45 bilhões), empregando 41 mil pessoas.