A crise financeira da incorporadora Evergrande, gigante do setor da construção civil da China, espalhou tensões pelos mercados de todo o mundo, mas não deve se tornar sistêmica como um "novo Lehman Brothers" (banco de investimentos americano que foi à falência em 2008, por causa da crise financeira iniciada no mercado imobiliário em 2007 nos Estados Unidos). Essa é a avaliação do economista Leonardo Burlamaqui, professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e pesquisador do Instituto Levy de Economia, da Faculdade Bard, nos EUA. Em parte, porque a crise da companhia parece uma "implosão controlada" pelos reguladores chineses. Segundo o estudioso do desenvolvimento econômico da Ásia, os problemas da incorporadora ocorrem num momento em que a China conduz mudanças estruturais na economia. O foco é o aumento relativo do peso do consumo, em detrimento dos investimentos, e a redução das desigualdades. Isso resultará em desaceleração do crescimento econômico, deixando para trás os avanços em torno de 10%, e exige uma "arrumação no meio de campo", diz Burlamaqui. A seguir, os principais trechos da entrevista:
<b>O que a crise da Evergrande diz sobre a economia da China?
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Temos de colocar a Evergrande num contexto mais amplo. O presidente Xi (Jinping) assumiu, em 2013, ainda sob os reflexos da crise de 2008, após 20 anos de crescimento. É o maior fenômeno de crescimento (econômico) da história, mas isso gerou distorções. A entrada de Xi significa uma readequação do regime. Xi traz três bandeiras. A primeira é uma cruzada anticorrupção. A segunda é o risco financeiro. O terceiro risco é o aumento da desigualdade. Com esse contexto na cabeça, entendemos melhor todo o processo de "re-regulação" que os chineses estão fazendo agora, do qual a Evergrande faz parte.
<b>Como a incorporadora entra nesse contexto?
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O setor de construção civil movimenta de 25% a 30% do PIB da China, é gigante. É um setor que se caracteriza por endividamento, tanto do ponto de vista das empresas, porque as obras são pesadas, quanto das famílias que estão comprando imóveis. Enquanto estamos nos endividando, mas estamos crescendo, realizando lucros, os salários estão subindo, com taxa de crescimento (econômico) de 10%, essas dívidas estão sendo pagas porque existem fluxo de caixa positivo, lucro, empregos e salário aumentando. Quando a taxa de crescimento começa a declinar, o que é o caso da China desde 2012 e 2013, surgem os problemas. A Evergrande foi um dos conglomerados mais atrevidos. Ao mesmo tempo em que fizeram muitos imóveis, contribuindo para a melhoria da situação da classe média chinesa, endividaram-se loucamente. Aí, eles caem na malha fina do Xi. Agora está na hora de arrumar o meio de campo.
<b>Como essa arrumação atinge a companhia? Vão deixar a empresa, que não é estatal, quebrar?
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Não é o momento Lehman Brothers da China. É uma implosão controlada pelos reguladores chineses. Estão mandando recados há algum tempo. Vão salvar a empresa completamente? Não. A implosão controlada, provavelmente, vai tirar a direção da empresa. Provavelmente também, vão fazer uma hierarquia de credores: a família, o pequeno poupador, os fornecedores de insumos serão preservados. Para acionistas e credores internacionais, talvez, seja outra história.
<b>Qual a diferença com o caso do Lehman Brothers?
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É o oposto do Lehman Brothers. Na China, há um processo regulatório que age dinamicamente. Estão, o tempo todo, olhando para o mercado e intervindo de maneira muito frequente. As empresas têm liberdade para se endividar, até mais do que deveriam, mas até certo ponto. Se passam do ponto, após dar um ou dois recados, o regulador entra preventivamente. O Lehman foi uma explosão descontrolada, a Evergrande é uma implosão controlada. A regulação americana não entrou. Ela foi mudar após a crise. Os bancos (americanos) estão mais capitalizados, mas fizeram isso quase por instinto de sobrevivência.
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>