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‘Rússia atrai a extrema direita porque a financia’, diz historiador

Pesquisador do projeto de História transnacional da extrema direita, da Universidade George Washington, o historiador francês Nicolas Lebourg diz que a atração da extrema direita europeia pela Rússia se deve ao financiamento recebido do regime de Vladimir Putin. Autor da obra <i>As Extremas Direitas na Europa</i>, Lebourg diz que Putin representa um mundo multipolar e a prática cesarista de poder. Leia trechos da entrevista.

<b>Como o grupo Identidade e Democracia (ID, extrema direita) no Parlamento Europeu age em relação à Rússia após a Ucrânia? E como agia no passado?</b>

Os eurodeputados de extrema direita alinharam-se com a Rússia durante a guerra contra a Ucrânia em 2014. Em seguida, votaram contra as resoluções que se opunham aos interesses do Kremlin em 93% das votações, uma pontuação bem acima da coerência geral do grupo, em que seus integrantes apenas concordavam entre si em 69% das vezes. Na votação de 28 de fevereiro (após a invasão da Ucrânia), os representantes do ID se abstiveram. Existem nuances, mas os partidos de extrema direita se dissociaram da invasão, mesmo que, em alguns casos, como na Grécia, a polarização em relação a Putin permaneça forte.

<b>Como a Rússia atraiu a extrema direita europeia?</b>

A Rússia polarizou a extrema direita porque a financiava, financiava a mídia que os apoiava em casa, mas também por razões ideológicas. A extrema direita é fundamentalmente a favor de um mundo multipolar e de uma prática cesarista de poder: a Rússia de Putin representava ambos. No conflito russo-ucraniano (2014), vimos voluntários de vários países se juntarem aos dois campos. Esses voluntários eram de 50 países, o que ajudou a treiná-los em violência. Quando voltaram para casa, trouxeram isso na bagagem: desde 2015, o aumento da violência de extrema direita no mundo é de 320%. No entanto, não há uma distribuição igualitária do apoio nesse campo entre Rússia e Ucrânia: é a primeira que representa a principal atração da extrema direita.

<b>Marine Le Pen disse que o Putin que ela apoiou no passado não é o mesmo homem que invadiu a Ucrânia. Qual peso pode ter o antigo apoio a Putin no destino dela e de Éric Zemmour na eleição presidencial do próximo dia 10, na França?</b>

Tradicionalmente, questões de política internacional importam muito pouco no voto dos franceses. No caso de Marine Le Pen, sua base são as classes trabalhadoras, mais sensíveis a problemas de poder aquisitivo. Éric Zemmour perdeu quase um quarto de suas intenções de voto desde o início do conflito. Segundo a imprensa, é pela rejeição ao excesso de "Putinismo". Mas isso é tão certo assim? Parece-me que duas perspectivas podem ter se alimentado mutuamente: a entrada de Emmanuel Macron na campanha e o início da guerra fizeram com que as classes médias pensassem que era melhor um homem de experiência do que um "aventureiro".

<b>Que peso a pandemia pode impor à extrema direita nas eleições na França e na Hungria? A onda populista vai retroceder?</b>

A pandemia mostrou que a globalização fez com que a Europa perdesse seu aparato industrial em benefício da Ásia, o que é bastante positivo para a imaginação da extrema direita. Ao mesmo tempo, o peso da questão da imigração caiu na opinião pública, o que é ruim para a extrema direita. Por enquanto, o "software" da extrema direita europeia continua sendo aquele forjado entre o ataque do 11 de Setembro e a crise de refugiados de 2015: todo o problema se resume ao Islã. Obviamente, em um momento em que a opinião pública está preocupada com a pandemia e com a Rússia, isso é um pouco limitado. Portanto, a questão é saber se ela será capaz de se renovar.

<b>Renunciar a vínculos com grupos extremistas é essencial para o sucesso da extrema direita, que busca a normalização de seus partidos. Mas é possível fazer isso sem perder eleitores?</b>

É um paradoxo e um problema constante: se um partido de extrema direita é muito radical, fica marginalizado; se for muito moderado, será marginalizado. Marine Le Pen sempre citou o caso do italiano Gianfranco Fini: esse neofascista acabou mais centrista, moderado, respeitoso com o Estado de Direito do que o primeiro-ministro Silvio Berlusconi. Como resultado, seu partido está morto hoje. A extrema direita está sempre no fio da navalha, daí o fato de que o FN (Front National), na França, ou o Vlaams Belang, na Bélgica, podem ser partidos antigos, com votações honrosas, sem nunca conseguirem tomar o poder.

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