Um terço de quase 1 milhão de contratos de Financiamento Estudantil (Fies) firmados em 2013 eram para os cursos de Direito, Administração e Enfermagem. Carreiras que têm grande oferta de diplomados no Brasil e não estão entre as consideradas mais estratégicas para o desenvolvimento do País. Engenharia Civil, entretanto, teve grande crescimento desde 2010 e aparece como terceiro curso com mais contratos.
O Estadão Dados analisou as informações dos microdados do Censo da Educação Superior de 2010, 2011, 2012 e 2013 — anos cujos números são os mais recentes disponíveis. Reportagens publicadas pelo Estado no início do mês passado mostraram que, apesar de um salto no número de contratos e de gastos, o ritmo de matrículas no ensino superior privado caiu. No ano passado, o custo do programa chegou a R$ 13,7 bilhões (valores atualizados retroativamente nesta semana, segundo o Portal da Transparência). Os dados de matrículas de 2014, entretanto, ainda não estão prontos.
Em 2013, o Fies custou mais de R$ 7 bilhões aos cofres públicos. Naquele ano, mais de 143 mil contratos eram para estudantes de Direito – o que representa 16% do total de financiamentos. A carreira de Administração aparece com 74 mil contratos, representando 8% dos contratos. Com 7% do total, o curso de Enfermagem tem 64 mil alunos financiados.
Crítica
Especialistas em educação já apontaram muitas vezes que os cursos e as necessidades de formação específicas do País não têm sido levados em conta no Fies, limitando o alcance da política pública. A evolução dos contratos segue, assim, a lógica do mercado – o número de contratos por curso varia de acordo com as matrículas totais, já que as regras do Fies não impõem nenhum tipo de restrição em relação ao curso. Segundo o especialista de ensino superior Ryon Braga, da Hoper Consultoria, a medida seria importante. “Há países que selecionam os tipos de cursos que vão financiar.”
O professor Ocimar Alavarse, da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), aponta que o perfil dos contratos acaba seguindo a mesma tendência de matrículas disponíveis. “Existe a necessidade de expandir as matrículas no ensino superior. Financiar um curso como Direito, que sequer garante que vai formar advogado – uma vez que o exame da OAB faz uma grande filtragem – é questionável. Mas será que o caminho é impedir?”, questiona. “É um dilema, mas o programa poderia ter uma regra de prioridade, até com mais incentivos para que alunos consigam terminar determinados cursos.”
A diretora executiva da Associação Brasileira para o Desenvolvimento da Educação Superior (Abraes), Elizabeth Guedes, diz ser contra o governo escolher determinadas carreiras para o financiamento. “O critério maior tem de ser o da renda. O que o governo pode fazer é incentivar, com juros menores, cursos em determinadas regiões em que há demandas”, diz. A Abraes representa os grandes grupos de educação, como Estácio, Kroton, Devry Brasil, Anhanguera e Laureate.
No caso dos cursos de Medicina, por exemplo – em que há déficit de profissionais em praticamente todas as regiões do País -, a carreira não seguiu a mesma tendência geral de aumento dos contratos a partir de 2010, quando as regras de financiamento possibilitaram a popularização do Fies. Em 2010, o curso representava 9% dos contratos e era a terceira carreira com mais financiamentos. Já em 2013 a Medicina tinha 3% dos contratos, sendo a 11ª carreira mais procurada para isso.
Apesar de não haver priorização de áreas no Fies, Medicina e cursos de formação de professores têm incentivos na hora de pagar o financiamento. Alunos de licenciaturas e Pedagogia, que forem atuar na rede pública como professores após a formatura, podem abater 1% da dívida do Fies a cada mês trabalhado. Médicos que forem atuar em equipes de Saúde da Família também podem ter o benefício.
Alta
Estudantes de Pedagogia aparecem com mais de 41 mil contratos em 2013, ocupando a 6ª maior participação por curso no Fies, com 4,6% de todos os financiamentos. Na comparação entre 2010 e 2013, as adesões nesta carreira cresceram 1.729%.
Engenharia Civil é a carreira com saldo bastante animador entre os cursos financiados. Em 2013, 65 mil alunos tinham financiamento estudantil do governo federal, representando 7% do total de contratos. Comparando com 2010, houve um salto de 1.705% na procura. Desde a década passada, os setores industrial e de tecnologia já haviam identificado falta de engenheiros.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.