“Quer saber como compor uma música?”, oferece Nick Cave, cantor, compositor, poeta e escritor australiano. Soa como um desafio, o início para uma viagem cabeça adentro do músico, desvendado camadas e mais camadas de quem é Nicholas Edward Cave, apresentado em 20.000 Dias na Terra, que estreia nesta quinta-feira, 12, nos cinemas. É dirigido por Iain Forsyth e Jane Pollard, dois artistas vanguardistas britânicos com quem ele trabalhou em 2008, em videoclipes dos singles do álbum Dig, Lazarus, Dig!!!, como More News From Nowhere e Midnight Man.
A relação de confiança entre personagem e diretores criou o laço sentido a quem assiste ao documentário, que passeia entre a linha de realidade e ficção, como se ela não existisse. “Quando Nick estava prestes a gravar o mais recente disco dele (Push the Sky Away, de 2013), ele nos ligou”, recorda Forsyth. “Ele perguntou se gostaríamos de ir acompanhá-lo. E, no fim, disse: Vocês querem trazer a câmera? Isso surpreendeu a gente.”
Nick Cave, aos 57 anos, acostumado com os estúdios desde 1973, nunca foi adepto de quebrar o caráter sagrado do momento de gravação. “Fomos ali de forma despretensiosa, sem saber o que faríamos com aquele material”, completa Forsyth.
Nick Cave: 20.000 Dias na Terra foi indicado na categoria de Melhor Documentário do Bafta, Oscar britânico, mas não se encaixa perfeitamente na definição do gênero – o que também era o intuito dos diretores. “Existe uma linha entre ficção e realidade no filme? Eu não consigo enxergar”, analisa Pollard. “Vemos muito documentários musicais sobre determinado disco. Mas eles são perecíveis. Eles se tornam passado juntamente com o álbum. Em alguns meses, desaparecem. Queríamos algo que fosse mais longe.”
O longa vive sob a proposta da criatividade dos diretores e Cave, sem roteiro e textos predefinidos. “Nick é um dos artistas mais progressivos vivos atualmente. Tínhamos apenas uma ideia do que seria a cena, mas a deixávamos aberta para a criação”, diz Pollard.
Em uma das cenas mais perturbadoras – e reveladoras – a respeito de Cave, o músico se encontra diante de um psicanalista, e assuntos como drogas, infância e relacionamentos com a família são colocados à mesa, sem pudor ou medo. “Gravamos em dois dias”, conta a diretora. Os minutos de conversa na tela foram editados a partir de 10 horas de material, em diálogo franco.
Nick Cave se mostra como um personagem que engoliu a própria pessoa física, desde a infância e adolescência, caçado pelo espírito subversivo e animal de escrever e compor.
Trechos narrados pelo próprio artista também foram criados como pequenas pensadas dele. A partir das propostas dos diretores, foram construídas singelas narrativas ora substanciais, ora fugazes, como crônicas cotidianas da vida de um músico australiano que vive na costeira cidade de Brighton, na Inglaterra.
“O importante, para nós, era não fazer um filme apenas para o público de Nick Cave”, diz Forsyth. “É um filme sobre a criatividade.”
E, para Cave, como ele mesmo explica no filme, a criatividade é contraposição de duas criaturas distintas, como o rock star e o homem comum. “Para compor, contraposição é a chave. Coloque duas imagens díspares e veja se sai a faísca”, explica ele. “Como: coloque no quarto, uma criança e psicopata mongol. E espere para ver o que vai acontecer. Se nada mudar, mande um palhaço para dentro do quarto, em um quadriciclo. Se isso não funcionar, atire no palhaço.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.