Circula nas redes sociais vídeo que mostra dois homens afirmando que teriam sido obrigados a alterar o atestado de óbito da mãe, de arritmia e insuficiência cardíaca para covid-19, em Guarulhos. O conteúdo, no entanto, não comprova “fraude” nas estatísticas da doença em São Paulo, como é apontado em comentários e legendas. Postagens com o vídeo tiveram mais de 1 milhão de visualizações no Facebook até a tarde desta terça-feira, 5.
O caso ocorreu na semana passada, em Guarulhos. De acordo com informações da prefeitura, a vítima deu entrada na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) Paulista, em estado grave, e faleceu na noite de quinta-feira (30). Uma hora depois da morte, o exame de covid-19 ficou pronto, com resultado positivo. As autoridades solicitaram então a atualização do documento aos familiares, como é o procedimento padrão.
Em outro vídeo publicado em seu perfil pessoal, um dos filhos confirma as informações: “Minha mãe fez exames de covid-19 na quarta-feira à noite. Depois que veio a falecer, passada uma hora ou uma hora e meia, eles falaram que saiu o resultado e deu positivo”. São três vídeos no total, compartilhados em sequência, no dia 1º de maio.
Pessoas com doenças cardiovasculares estão no grupo de vulnerabilidade para o novo coronavírus. Segundo especialistas e estudos consultados pelo Estado, a infecção aumenta o risco de morte e também pode, por si só, provocar agressão cardiovascular. Com isso, a mortalidade desses indivíduos por causa da covid-19 é três vezes maior do que a da população em geral. A idosa tinha 64 anos.
Em transmissão no Facebook, o prefeito de Guarulhos, Guti, e o secretário de Saúde, José Mario Clemente, comentaram sobre o caso, alegando que receberam permissão da família. Clemente afirma que o laudo foi feito de maneira correta com insuficiência cardíaca, mas que seria crime deixar de fazer a notificação compulsória de covid-19 após o resultado positivo do exame. O secretário também disse que a situação traz mudanças no sepultamento, por razões de segurança. O corpo foi enterrado no Cemitério Necrópole do Campo Santo (Vila Rio).
O Ministério da Saúde esclarece que são de notificação compulsória todos os “casos suspeitos ou confirmados de doenças que podem implicar medidas de isolamento ou quarentena, de acordo com o Regulamento Sanitário Internacional”, situação em que a covid-19 se encontra. O texto consta na Lei nº 6.259, de 30 de outubro de 1975.
O Estadão Verifica entrou em contato com um dos autores do vídeo, que preferiu não comentar o assunto.
Boatos questionam estatísticas
São comuns, nas redes sociais, boatos que questionam as estatísticas da covid-19 e o diagnóstico por exames em laboratório. Recentemente, o Estadão Verifica mostrou que é falsa a alegação de o diagnóstico da doença para mortos seria “instantâneo”, enquanto testes estariam demorando de 10 a 20 dias. Outra notícia falsa de grande alcance, desmentida pelo blog em março, é de que o governador de São Paulo, João Doria, teria assinado decreto para aumentar artificialmente o número de mortes, o que não é verdade.
A desinformação é motivada, em parte, pelos conflitos políticos entre autoridades do país, como o governador João Doria e o presidente Jair Bolsonaro. O presidente já afirmou publicamente que lideranças estaduais e municipais deveriam “abandonar o conceito de terra arrasada” e acusou o governador de usar a pandemia como “palanque” para as eleições de 2022. Bolsonaro defende a flexibilização das medidas de isolamento social para estimular a retomada da economia e costuma minimizar a gravidade da doença.
Este boato foi checado por aparecer entre os principais conteúdos suspeitos que circulam no Facebook. O Estadão Verifica tem acesso a uma lista de postagens potencialmente falsas e a dados sobre sua viralização em razão de uma parceria com a rede social. Quando nossas verificações constatam que uma informação é enganosa, o Facebook reduz o alcance de sua circulação. Usuários da rede social e administradores de páginas recebem notificações se tiverem publicado ou compartilhado postagens marcadas como falsas. Um aviso também é enviado a quem quiser postar um conteúdo que tiver sido sinalizado como inverídico anteriormente.
Um pré-requisito para participar da parceria com o Facebook é obter certificação da International Fact Checking Network (IFCN), o que, no caso do Estadão Verifica, ocorreu em janeiro de 2019. A associação internacional de verificadores de fatos exige das entidades certificadas que assinem um código de princípios e assumam compromissos em cinco áreas: apartidarismo e imparcialidade; transparência das fontes; transparência do financiamento e organização; transparência da metodologia; e política de correções aberta e honesta. O comprometimento com essas práticas promove mais equilíbrio e precisão no trabalho.
O texto acima foi publicado originalmente no blog Estadão Verifica, no O Estado de São Paulo