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Fernando Jorge: “As telenovelas ensinam o povo a falar errado”

Jornalista e escritor brasileiro não poupa nem a imprensa de suas críticas

Aos 83 anos, o jornalista e escritor Fernando Jorge está mais afiado que nunca. Um dos grandes nomes da imprensa brasileira, ele se mostrou preocupado com o futuro da língua portuguesa. Disse que, cada vez menos, o brasileiro fala corretamente e culpou a televisão e as novas regras ortográficas, válidas desde 1º de janeiro de 2009, pelo que chamou de caos. "Os erros de português se multiplicam nas telenovelas, que ensinam o povo a falar errado", criticou.

As críticas também atingiram o responsável pela reforma ortográfica, o acadêmico e filólogo Evanildo Bechara, e sobraram até para o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, pela sua defesa em favor da descriminalização das drogas no Brasil. Aliás, está no prelo um livro sobre FHC.

Nascido em Petrópolis, no Rio de Janeiro, Fernando Pedro Alves Jorge foi processado quatro vezes pelo regime militar, implantado em 1964, por conta de sua defesa pela liberdade de expressão e pela democracia. Em 1947, ele – que também é advogado formado pela Faculdade do Largo de São Francisco – iniciou sua vida no jornalismo e, hoje, faz duras críticas à imprensa brasileira.

Fernando Jorge recebeu a Revista Free São Paulo em casa. Lá apresentou sua biblioteca com cerca de 25 mil volumes e onde passa a maior parte do tempo estudando e pesquisando. Recentemente, lançou o livro "Se não fosse o Brasil, jamais Barack Obama teria nascido" (Editora Novo Século) que, em apenas três meses, vendeu 117 mil exemplares e está sendo negociado para ser lançado nos EUA.

Autor de mais de 30 livros e Prêmio Jabuti de Literatura, ele foi, inclusive, acusado de contribuir com o infarto que matou o jornalista Paulo Francis, que teria sido encontrado morto com o seu livro "Vida e Obra do Plagiário Paulo Francis" em mãos. Em suas veias corre uma mistura de sangue espanhol (da mãe) e árabe (do pai). Assim, ele explicou o título de "jornalista maldito". "Sou o diabo", brincou.

– O Brasil está falando, cada vez menos, a língua portuguesa correta?

Cada vez menos e os erros se multiplicam O culpado disso também é que os alunos não podem mais ser reprovados. Isso é uma estupidez. Os professores que se formam não têm o desejo de se instruírem, de adquirirem mais cultura. Eles se formam apenas para ter uma profissão. Eles sofrem de "bibliofobia aguda", assim como nossos políticos, que só entram na livraria em dia de chuva para não pegarem gripe ou pneumonia.

– Os políticos também são analfabetos?

Eu sou bibliotecário formado pela USP e, durante mais de 30 anos, dirigi a divisão técnica da biblioteca da Assembleia Legislativa de São Paulo. E nunca vi na biblioteca da Assembleia um deputado… nunca! (grita). Graças à minha iniciativa, consegui que a biblioteca da ALSP se tornasse pública. Lá temos uma biblioteca rica, com mais de 70 mil volumes. E nunca vi um deputado lá dentro.

– Se o Brasil está falando cada vez menos o português correto, qual o futuro da nossa língua?

O que está contribuindo para isso é a televisão – os erros de português se multiplicam nas telenovelas, que ensinam o povo a falar errado. E temos os maus exemplos. Essa reforma ortográfica é um absurdo, é um disparate. A responsabilidade é do acadêmico Evanildo Bechara [filólogo brasileiro]. Onde já se viu tirar o acento da palavra ideia? Isso é um absurdo. E o Evanildo, um homem que já está com 80 anos e é um pré-cadáver como eu (Nelson Rodrigues adoraria essa expressão!), é o responsável por essa criminosa reforma ortográfica. Este cidadão deu uma entrevista a uma revista chamada Educação e disse que é correto falar "Framengo" em vez de "Flamengo", alegando que cada pessoa deve falar a língua de sua comunidade. Talvez ele queira mostrar que é jovem, mas acho que este cidadão é acometido de esclerose cerebral.

– Qual o maior absurdo da reforma ortográfica?

É tirar os acentos de palavras que devem ter acento devido à prosódia delas.

– Mas se o senhor acha que ele é louco? Quem é mais louco que ele?

A imprensa, que não tem cultura; ela aceita tudo passivamente. Temos um bando de jornalistas que são cordeiros. Olha, antes que eu esqueça, esse senhor Evanildo, para justificar a reforma, escreveu uma série de artigos para o Estadão, e ele é tão pernóstico que, ao invés de usar a palavra usuário usava a palavra utente.

– Qual o futuro desta geração-internet?

Eu fico preocupado. A revolta que houve com os estudantes da USP foi devido à prisão de seus colegas, flagrados pela polícia totalmente maconhados e violentos. Eles não querem a polícia no campus para poderem fumar maconha à vontade. E, pior, se apresentaram como marginais, com os rostos cobertos. A USP não é terra de ninguém. A greve deles é completamente cretina. Eu não sou reacionário. Sou completamente a favor da liberdade e da democracia. Outro absurdo é o senhor Fernando Henrique Cardoso, que está com 80 anos, defender a liberação das drogas. Eu sugiro a FHC – que quer mostrar que é jovem, que é pra frente – que ele se submeta, se precisar fazer uma operação cirúrgica, aos cuidados de um cirurgião drogado.

– Na sua juventude, o senhor nunca fumou maconha?

Nunca. Na minha época a maconha era coisa rara. O primeiro que tentou acabar com o tráfico de drogas foi o "cotonete", o Moreira Franco [ex-governador do Rio], que tinha esse apelido por causa de seus cabelos volumosos e brancos. Ele mandou invadir os morros e não adiantou nada. Olha, as leis no Brasil se tornaram anacrônicas. O Código Penal está defasado com relação ao tempo, ele é da época de Getúlio Vargas, de 1940. Estamos no caos.

– E a pedagogia brasileira?

Caos. O que podemos esperar desses jovens?

– Com toda essa análise, o senhor está dizendo que a juventude de hoje é burra?

Essa juventude é alienada. Vemos na cracolândia, na região da Luz, centenas de jovens viciados, esqueléticos.

– No caos que o senhor enfatizou, podemos englobar a imprensa?

Nossos jornalistas estão escrevendo muito mal. Estou cansado de verificar erros de português nos jornais que leio todos os dias; erros que vão da propriedade linguista à concordância. As escolas de jornalismo começaram a aparecer na época do regime militar, uma ideia do Jarbas Passarinho que observou que a grande maioria dos jornalistas era rebelde e insurgia contra a censura. Como ministro da Educação, na época da ditadura, resolveu instituir o diploma para criar jornalistas bonzinhos. Na minha opinião, o jornalista se faz com a tarimba.

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