Variedades

Entrevista: ameaçados, militares gays do Exército querem asilo político

Sargentos Alcântara e Laci sofreram pressões após assumirem seu relacionamento

Em dezembro de 1995, os sargentos Alcântara e Laci se conheceram em Brasília e se apaixonaram. Dois anos depois, assumiram o relacionamento homoafetivo e passaram a dividir o mesmo apartamento, de propriedade do Exército, na Asa Norte, na capital federal.

Após pressão dos superiores, Alcântara pediu licença sem remuneração. Em 2008, Laci foi preso em São Paulo após participar de um programa de tevê e assumir publicamente a relação gay com o colega de farda. Atualmente, o militar está na ativa, mas afastado por problemas de saúde. À Revista Free São Paulo, Laci disse ter sido torturado e contou que o casal está sendo ameaçado.

Sem apoio do governo federal, conforme denunciaram, os militares vão entrar nos próximos dias com pedido de asilo político por questão homofóbicas (aliás, primeiro caso na história da diplomacia mundial), provavelmente na Inglaterra ou nos EUA. "Fomos até a Secretaria Especial de Direitos Humanos [em Brasília]. Até hoje não querem nos ouvir. Desta forma não há outra medida que não seja o pedido formal de proteção internacional", explicou Alcântara.

Alcântara, de 38 anos, nasceu Fernando Alcântara de Figueiredo, em Recife (PE). Seu companheiro Laci Marinho de Araújo tem 39 e é natural de Natal (RN).  Os militares se tornaram o primeiro casal gay no Mundo a assumir relacionamento homoafetivo dentro das Forças Armadas. Esta história está prestes a virar filme.

– Qual o motivo para o pedido de asilo político?

ALCÂNTARA – Isto é algo que foi cuidadosamente pensado e debatido. Desde antes da publicidade que foi dada ao nosso histórico de perseguição, recebíamos ameaças das mais variadas formas, explícitas ou não. Conduzíamos tudo com muita serenidade e cuidado para não deixar que aquilo interferisse em nossa vida. Comunicamos tais fatos à delegacia mais próxima, mas os fatos foram todos declinados à Justiça Militar e, uma a uma, todas as nossas reclamações foram arquivadas.

– Quem vocês consideram um grande inimigo?

ALCÂNTARA – Na verdade, tínhamos encontrado um grande inimigo – a monstruosa condescendência do Tribunal Militar, com todo seu aparato opressor. Deixamos de lado as denuncias e passamos a conviver com as ameaças de forma a não dar muita importância, até que há pouco – aproximadamente duas ou três semanas – os telefonemas anônimos se intensificaram e fomos vítimas, por duas vezes em menos de uma semana, de tentativa de agressão na rua.

– Houve algum apoio por parte do governo brasileiro?

ALCÂNTARA – Havíamos comunicado todo histórico de perseguição ao Estado desde o inicio do governo Dilma Rousseff e mesmo durante o período do ex-presidente Lula. Fomos até a Secretaria Especial de Direitos Humanos. Até hoje não querem nos ouvir. Desta forma não há outra medida que não seja o pedido formal de proteção internacional.

– Então, as ameaças são constantes?

ALCÂNTARA – Isto [as ameaças] é algo que já é rotina. Hoje nos deparamos com o fato das pessoas envolvidas em todos os atos persecutórios estarem sendo promovidas e até mesmo recebendo, como ato de merecimento, comandos estratégicos no país. Veja o caso do general Adhemar da Costa Machado Filho. Recentemente ele foi conduzido a mais alta patente – General de Exército, e, empossado Comandante do Sudeste, em São Paulo. Alguns outros militares foram empossados em cargos importantes na Presidência da República. São fatos que demonstram uma total insegurança. Estas pessoas, além de não sofrerem sanções pelo abuso de autoridade e atos que diria criminosos, ainda são beneficiados; e o que é pior, ocupam cargos importantes. Funções que podem interferir diretamente na nossa segurança, na nossa integridade física.

– Acreditam que nunca conseguirão viver em paz no Brasil?

LACI – Nunca é um termo muito forte. Acredito que enquanto o Estado acene com condescendência a este tipo de prática desumana não há segurança para que continuemos no território nacional. Um país que se julga sério e quer passar esta imagem para outros países tem o dever de combater todo e qualquer comportamento aviltante a dignidade das pessoas. O Estado brasileiro tem demonstrado aversão à dignidade humana à medida que não busca por mecanismos de enfrentamento para combater a violência contra os homossexuais, por exemplo.

– Qual é o sentimento de abandonar o Brasil por questões de homofobia?

LACI – Não temos vergonha de nosso país. Temos muito orgulho do povo brasileiro. Gente trabalhadora que em sua maioria é honesta e soube distinguir o certo do errado. Nos sentimos tristes com tudo isto. Temos familiares, amigos e pessoas que, como nós, comungam deste sentimento de luta pela dignidade. Largar tudo e todos de uma hora pra outra é algo muito sério e muito doloroso.

– Você foi preso e algemado. Chegou a ser torturado pelos colegas de farda?

LACI – A tortura não foi somente física que comportou espancamento, técnicas de sufocamento com saco plástico na cabeça e palmatórias nas solas dos pés. Havia, ainda, outros atos que são considerados tortura, tais como a suspensão de medicação, alimentos, vestimentas. Eu era constantemente obrigado a ficar nu e sofrer com intenso frio na cadeia. Era impedido de dormir devido a pancadas nas grades da cela por toda madrugada. As algemas eram sempre utilizadas quando o Supremo Tribunal Federal já havia suspendido esta prática. Até hoje ninguém foi responsabilizado. Não consigo conviver com isto. Não consigo digerir isto.

– Então, o Exército não esqueceu das técnicas de torturas colocadas em prática durante a ditadura militar?

LACI – Não diria o Exército como um todo. Lá temos homens e mulheres profissionais de fato, mas a cúpula institucional, esta sim, contaminada com este pensamento anacrônico. Os generais, modo geral, se comportam como donos do Brasil. A tropa é conduzida pelo medo e não pelo respeito como deveria ser. É lamentável que esta conduta ainda faça parte do Exército. Não podemos esquecer o terror que foi a ditadura militar e as suas conseqüências para toda sociedade civil. Os verdadeiros inimigos da humanidade são aqueles que atentam contra a liberdade. A sociedade precisa estar atenta a isto.

– Você pediu licença do Exército sem remuneração. Saudade da farda?

ALCÂNTARA – Tristeza, esta é a palavra mais apropriada. Vi anos de bons serviços prestados jogados no lixo. Talvez quando estiver fora do país possa desempenhar atividades militares, sem que possa ser perseguido por minha condição.

– Acredita que um dia voltará à ativa?

ALCÂNTARA – Não no Brasil. O Estado está longe de garantir respeito à dignidade das pessoas nas Forças Armadas.

– Laci, por sua vez, continua na ativa?

ALCÂNTARA – Sim, ele ainda está na ativa. O Exército, recentemente, informou que iria iniciar um processo para afastá-lo em definitivo.

– Vocês são o primeiro casal gay no Mundo a assumir relacionamento homoafetivo dentro das Forças Armadas e, por isso, estão pagando um preço muito alto. O que esperam do resultado desta luta?

ALCÂNTARA – Acreditamos que nossos atos, embora inicialmente visassem à preservação de nossa integridade, representam a luta de muitos outros que combatem a intolerância e o ódio gratuito. Nossa luta não é em vão e pode significar a sobrevivência de tantos outros que sonham com um Brasil mais humano. Temos consciência da importância disto.

– Esta é a única história homoafetiva no Exército Brasileiro?

ALCÂNTARA – Não. É impensável que entre tantos homens e mulheres sejamos o único caso. Somos apenas mais um, dentre tantos outros que vivem histórico de perseguição em razão da orientação sexual. Temos a obrigação de levar a público que a perseguição gratuita é algo muito comum nas Forças Armadas. Independente da orientação sexual, qualquer um que se mostre intransigente a um comportamento abusivo é digno de se tornar desafeto institucional. Neste contexto, a identificação da sexualidade é algo muito perverso, pois, representa arma poderosa para "desqualificar" o profissional fardado.

– É verdade que essa história de amor e luta vai virar filme?

LACI – É sim. O roteiro já foi escrito, estamos em fase de analise da proposta. É o que posso adiantar no momento.

Posso ajudar?