Eles são inquietos, curiosos, fuçadores e, acima de tudo, inconformados com o status quo. Alguns deles promovem intervenções políticas tendo como alvo governos, empresas, organizações e mesmo indivíduos. Outros defendem apaixonadamente bandeiras pela democracia, liberdade de expressão e o espírito colaborativo. Há também os que fazem o que fazem apenas pelo prazer de incomodar e se divertir.
Mas o que os hackers cada vez mais têm em comum? Não pedem licença para nada e ninguém quando se trata de buscar soluções inovadoras e acessíveis para qualquer tipo de problema – e que melhorem a vida do maior número de pessoas possível.
Embora sejam geralmente associados ao mundo dos computadores e da internet, os hackers mostram a importância da transparência em um mundo que, embora tenha saído das trevas na Idade Média, ainda continua com muitas áreas de escuridão e sombras.
O próprio termo "hacker" ainda hoje assusta. É comum pensar neles como "ladrões cibernéticos". Ou seja, o sujeito que entra invisivelmente no seu computador e rouba seus dados e dinheiro de sua conta bancária. De uma maneira ainda mais fantasiosa, são vistos por muitos como inimigos capazes de colocar o mundo em uma situação de risco, invadindo máquinas responsáveis pela segurança mundial, como no filme War Games (Jogos de Guerra/1983), no qual um garoto, brincando com seu modem, acessa, por "acidente", o computador responsável pela segurança dos Estados Unidos.
Mas, segundo os próprios hackers, essa atividade tem um significado muito diferente. Segundo a enciclopédia livre Wikipédia, a palavra deriva do verbo to hack , que significa "cortar grosseiramente", por exemplo, com um machado ou facão; como substantivo, hack significa buscar uma solução improvisada, mais ou menos original ou engenhosa. Portanto, a palavra hacker tem sido usada mais no sentido de decifrador.
Segundo o The New Hackers Dictionary (MIT Press), de Eric S. Raymond, ser um hacker significa conhecer e modificar os aspectos mais internos de dispositivos, programas e redes de computadores. Ávidos por novos conhecimentos, eles conseguem soluções e efeitos que extrapolam os limites do funcionamento "normal" dos sistemas, como previstos originalmente pelos seus criadores.
Por isso mesmo, ficam irritados quando confundidos com os "crackers", que quebram (cracking), invadem ou destroem sistemas de informática pelo puro prazer de prejudicar outros ou para se beneficiar de forma antiética e ilegal.
Simplicidade
"O hacker é um fuçador de conhecimento. Ele aplica conceitos de simplicidade nos seus projetos e alerta para os problemas nos sistemas de informática de uma empresa, por exemplo. É uma pessoa que tem facilidade e uma maneira curiosa de olhar as coisas. Dessa forma, tenta desmistificar algo para o bem comum, tornando tudo mais simples e menos comercial. É uma filosofia", explica C. H. L, diretor de uma das principais empresas de Tecnologia de Informação do país e hacker nas horas vagas (e que, por isso mesmo, prefere manter o anonimato). "Já os crackers são marginais que criam artifícios para tomar posse de informações em benefício próprio."
Para os hackers, a liberdade de expressão e a privacidade dos cidadãos têm extrema importância. Tanto que, em sua história, o ativismo pela segurança da informação sempre foi presente. Eles defendem também a inclusão digital. Ou seja, que se amplie o máximo possível o acesso dos recursos computacionais e das ferramentas de informática para a produção de conhecimento em prol de todos na sociedade.
Hackers podem ser vistos, de uma forma romântica e idealista, como uma espécie de Robin Hood cibernético. Muitos são adeptos da forma colaborativa de pesquisar, criar e produzir. Por isso, é normal compartilharem informações de forma descontraída e colaborarem em projetos comuns de softwares livres.
Notoriedade
Os nomes mais conhecidos neste mundo são os de Richard Matthew Stallman (criador do editor de textos Emacs, fundador do movimento free software, do projeto GNU e da Fundação para o Software Livre), Linus Benedict Torvalds (criador do Linux, núcleo do sistema operacional GNU/Linux) e Dennis Ritchie (criador da linguagem de programação C), Steven Raymond (autor do livro A Catedral e o Bazar e um dos porta-vozes do movimento open source), além de Larry Page e Sergey Brin (co-fundadores da Google).
Alguns se notabilizaram por atividades consideradas ilegais, como John T. Draper – que, em 1943, conseguiu fazer ligações gratuitas usando um simples apito de plástico que vinha de brinde em caixas de cereais, introduzindo o conceito de pheaker (hackers da telefonia) – ou Kevin David Mitnick, que ficou conhecido mundialmente, a partir dos anos 90, por invadir operadoras de celulares e provedores de internet e atualmente trabalha como gerente de uma empresa de segurança.
O caso mais recente foi o que deu notoriedade a Julian Assange, um ex-hacker, jornalista, ciberativista australiano e membro do conselho consultivo do website Wikileaks (do qual é o principal porta-voz). Ele tornou públicos diversos documentos envolvendo execuções extrajudiciais no Quênia e casos de resíduos tóxicos na África, além de telegramas secretos da diplomacia norte-americana e informações sigilosas sobre a participação dos Estados Unidos nas guerras do Afeganistão e do Iraque.
Essas revelações bombásticas – muitas sobre manipulações políticas e práticas desumanas – lhe renderam alguns prêmios importantes e o título de Homem do Ano, dado pelo jornal francês Le Monde, em 2010.
Tecnologia a favor da sociedade
Utilizar a tecnologia para o bem da sociedade, pensando em transparência como um processo e não como um fim. Essa é a proposta do grupo Transparência Hacker, movimento fundado no Brasil em 2009 e que já tem mais de mil membros ativos. A comunidade ainda elabora aplicativos que tornam sites públicos mais compreensíveis e eficientes. E suas páginas são criadas com fins educativos.
Outra iniciativa do grupo é a campanha Livro Livre, que incentiva as pessoas a "libertarem" os livros em avenidas, praças e outros espaços públicos para a disseminação da leitura.
O nome Transparência Hacker surgiu em razão de a transparência pública fazer parte da filosofia do grupo. O grupo tem, inclusive, um ônibus – comprado por meio do site Catarse, de apoio coletivo a projetos – para levar suas ideias e "assistência digital" às cidades do interior do país. No interior do veículo, simples poltronas se transformaram em um "hacklounge": um espaço de trabalho com computadores e internet. No fundo, bancos foram retirados para criar um espaço de debates sobre política, educação, cultura e tecnologia. A cada parada, os viajantes compartilham seus conhecimentos com as pessoas do local.
O movimento Transparência Hacker também teve um papel importante na criação da Lei de Acesso à Informação Pública, quando o projeto ainda tramitava na Câmara dos Deputados. No fim, todas as sugestões do grupo foram incorporadas na nova legislação, aprovada no final de 2011 e que entrou em vigor em maio último, prometendo provocar uma revolução na política de transparência de dados da administração pública no Brasil. "A ideia agora é construir projetos em cima desses dados, para entender o que está sendo feito e para onde as políticas públicas estão sendo direcionadas", afirma Daniela Silva, do movimento Transparência Hacker.
Uma nova forma de fazer política
O hacktivismo (junção da palavra "hack" mais "ativismo") pode ser encarado, de uma forma ampla, como uma atividade hacker com finalidade política, como o redirecionamento de sites, desenvolvimento de softwares e sabotagens virtuais, entre outros. Para o pesquisador Stefan Wray, o nascimento do ativismo hacker se deu, em 1998, com um grande número de ocorrências de pequenos ataques de negação de serviço. Na primavera daquele ano, um jovem hacker britânico conhecido como JF acessou cerca de 300 sites, mudando e acrescentando códigos com mensagens antinucleares.
Nesse mesmo ano, um grupo de artistas e teóricos ciberativistas autodenominados Electronic Disturbance Theater iniciou uma série de ações de desobediência civil eletrônica contra o governo mexicano, em apoio ao governo zapatista, conseguindo reunir, em dezembro, aproximadamente 20 mil internautas por meio do software FloodNet.
Pode-se dizer que, depois desse feito, o hacktivismo deslanchou. Em setembro de 2001, no entanto, depois dos atentados às torres gêmeas de Nova York, os Estados Unidos e o mundo começaram a fazer pressão política por uma maior vigilância da internet. Os hackers passaram, então, a serem vistos como ciberterroristas e combatidos.
Mas já em 2000 o grupo hacker Anonymous inaugurava uma atuação mais ideológica, interessada em unir pessoas e não somente hackers, para expor a corrupção e, com isso, melhorar o mundo. Com ativistas no mundo todo, inclusive no Brasil, o grupo ganhou maior dimensão e alcance em 2008, com uma intensa onde de trolling (comentários provocadores que visam desestabilizar uma discussão) contra a Igreja da cientologia norte-americana, acompanhada por protestos de rua em várias capitais do mundo.
O Anonymous não comporta definições e pode atuar com alcunhas, abrigando outros grupos de hackers no momento da ação, com o objetivo comum de protestar.
No começo deste ano, esse grupo de hackers iniciou uma onda de ataques às instituições financeiras do Brasil, derrubando seus serviços de internet. Segundo o grupo, o protesto digital foi para alertar a população brasileira sobre a desigualdade social e corrupção que se alastram pelo país.
Principais movimentos do Anonymous
Prisão de Chris Forcand – Em 7 de dezembro de 2007, o jornal canadense Toronto Sun Journal publicou um relatório sobre a detenção do predador sexual Chris Forcand, acusado de seduzir uma criança menor de 14 anos de idade. O relatório afirma que Forcand estava sendo monitorado pelo "cyber-vigilantes", que procuravam por pessoas que apresentam interesse sexual em crianças. Um relatório da Global Television Network identificou o grupo responsável pela prisão de Forcand como "um grupo de vigilantes da internet auto-intitulado Anonymous" que contactaram a polícia depois que alguns membros receberam "propostas sexuais" de Forcand.
Primavera Árabe – Os websites do governo da Tunísia – que caiu em janeiro de 2011 e desencadeou a chamada Primavera Árabe – foram alvos do Anonymous devido à censura dos documentos da WikiLeaks. Houve relatos de tunisianos ajudando nos ataques lançados pelo Anonymous.
Durante a Revolução Egípcia de 2011, websites do governo e do Partido Nacional Democrático foram hackeados e tirados do ar pelo Anonymous. Os sites permaneceram offline (fora do ar) até o presidente Hosni Mubarak renunciar, em fevereiro de 2011.
Em 15 de junho de 2011, o grupo lançou ataques contra 91 websites do governo da Malásia, em resposta ao bloqueio de websites como WikiLeaks e The Pirate Bay dentro do país.
Operação Síria – No início de agosto de 2011, o Anonymous hackeou o website do Ministério da Defesa da Síria e o substituiu por uma imagem da bandeira pré-Baath – símbolo do movimento a favor da democracia no país – e uma mensagem de apoio à revolta no país, chamando os membros do Exército para desertarem e defenderem os manifestantes.
Operação DarkNet – Em outubro de 2011, o grupo realizou uma campanha contra a pornografia infantil. Eles derrubaram 40 sites de pornografia infantil, publicaram o nome de mais de 1.500 pessoas que frequentavam essas páginas e convidaram o FBI e a Interpol para acompanhá-los.
Occupy Nigéria – Em solidariedade ao movimento Occupy Nigéria, o Anonymous juntou forças com o grupo Frente Popular de Libertação e o Naija Cyber Hacktivists of Nigeria, em um ataque ao governo daquele país, contra a remoção do subsídio de combustível, do qual a maioria da população pobre dependia para sobreviver.
Protesto anti-SOPA – Em janeiro de 2012, o Anonymous atacou quem apoiasse o SOPA (Stop Online Piracy Act – Lei de Combate à Pirataria Online), projeto de lei que tramitava no Congresso norte-americano e que visava ampliar os meios legais para que detentores de direitos autorais pudessem combater o tráfego online de propriedade protegida. Os oponentes do SOPA alegaram que se tratava de um atentado à Primeira Emenda da Constituição Americana, sendo uma forma de controle da internet e de limitação da liberdade de expressão.
Dicionário cibernético
(do livro Hacker Invasão e Proteção, de Wilson José de Oliveira-Visual Books)
Hacker: pessoa que possui uma grande facilidade de análise, assimilação, compreensão e capacidade surpreendente com um computador. Ela tem consciência de que nenhum sistema é completamente livre de falhas e sabe onde procurá-las.
Cracker: possui tanto conhecimento quanto os hackers, mas com a diferença de que, para eles, não basta entrar em sistemas, quebrar senhas e descobrir falhas. Eles precisam deixar um aviso que estiveram lá, geralmente com recados malcriados, algumas vezes destruindo parte do sistema e aniquilando tudo pela frente. Também são atribuídos aos crackers programas que retiram travas de softwares, bem como os que alteram suas características, adicionando ou modificando opções, muitas vezes relacionadas à pirataria.
Pheaker: especializado em telefonia. Faz parte das suas principais atividades as ligações gratuitas (tanto locais como interurbanas e internacionais), a reprogramação de centrais telefônicas e a instalação de escutas.
Guru: o suprassumo dos hackers.
Há ainda outras categorias, como as dos não hackers que pensam serem hackers:
Lamer: é o que deseja aprender sobre hackers e sai perguntando para todo mundo.
Wannabe: é o principiante que aprendeu a usar alguns programas já prontos para descobrir senhas ou invadir sistemas.
Larva: esse já está quase se tornando um hacker e consegue desenvolver suas próprias técnicas de como invadir sistemas.
Arackers: esses são os piores, os hackers-de-araque. É a maioria absoluta do submundo cibernético. Fingem ser os mais ousados e espertos usuários de computador. Planejam ataques, fazem reuniões durante a madrugada (ou até a hora em que a mãe manda dormir), contam casos absolutamente fantasiosos, mas no final das contas vão fazer download no site da Playboy ou jogar algum desses "killerware", resultando na mais engraçada espécie: a odonto-hackers, o hacker da boca para fora.