Como pianista e compositora, Jocy de Oliveira correu o mundo. E, nesse caminho, cruzou com alguns dos personagens mais marcantes da música da segunda metade do século 20. Igor Stravinski, John Cage, Luciano Berio, Eleazar de Carvalho, Karlheinz Stockhausen, Guiomar Novaes, Heitor Villa-Lobos, Olivier Messiaen: uma vasta correspondência é testemunha da relação que ela desenvolveu, ao piano ou como autora, com esses grandes mestres – e o contato com eles chega agora ao público na forma do livro Diálogo com Cartas.
Jocy lança o livro na quarta-feira, na Livraria Cultura do Shopping Iguatemi – e o evento de lançamento terá, além de sessão de autógrafos, um bate-papo com o jornalista e crítico musical Irineu Franco Perpetuo. Na conversa, ela vai falar um pouco da sua trajetória e do processo de confecção do livro que, além da reprodução das cartas, traz uma rica iconografia e textos em que ela refaz seu caminho artístico.
“Sinto que é válido fazer uso dessa correspondência tão íntima para recapitular um pequeno ângulo de bastidores que traz à luz importantes criadores do século 20, por meio do desvendamento de sentimentos nunca revelados”, escreve ela na introdução. “Cartas como essa não tencionam trazer uma nova perspectiva para a musicologia, porém, se forem examinadas com delicadeza e sensibilidade, poderão expressar, em parte, estados emocionais presentes na criação de certas peças.”
O livro tem vasto material para quem se interessa pelos bastidores da criação. Jocy narra, por exemplo, a estreia de Apague meu Spotlight, obra em que trabalhou com Fernanda Montenegro, Sergio Brito e Gianni Ratto, naquela que define como a primeira apresentação de música eletrônica no Brasil. John Cage, por sua vez, fala tanto das viagens ao Brasil quanto de sua busca por um colchão ideal; Luciano Berio, em cartas de tom pessoal, oferece olhar não apenas sobre suas obras como a respeito de episódios marcantes, caso das viagens que fez pelo oriente. Já Stravinski, aparece tanto como parceiro musical em concertos nos quais Jocy atuava como solista como em lances curiosos, caso da visita que fizeram a um terreiro.
Mas Diálogo com Cartas está longe de ser apenas um punhado de anedotas em torno de figuras míticas da música clássica contemporânea. Da mesma forma, não assume em momento algum tom passadista – e isso tem a ver com o próprio caráter da obra.
Jocy trabalha nela há cerca de uma década, quando ganhou, pela segunda vez, um prêmio de residência da Rockefeller Foundation, em Bellagio, na Itália. Voltou-se, então, ao material que mantinha guardado há décadas e começou a selecionar as cartas. Desde o início, no entanto, não via sentido em simplesmente reproduzir a correspondência com os artistas. Era preciso contextualizar o material. Mas, como fazer isso sem que a memória a traísse?
“Logo de cara ficou claro para mim que era preciso que algum tempo passasse antes que o livro ganhasse vida”, ela explica, em entrevista ao Estado.
Durante esse período, ela também se dedicou a dois espetáculos – Revisitando Stravinski e Berio sem Censura -, em que recuperava momentos de seu passado artístico. “À medida em que revisitava as cartas e as fotos, alguns espaços da memória eram reabertos, lembranças, sensações de momentos diversos voltavam à mente e aos poucos um quadro ia se formando.”
O livro, assim, é não apenas um documento precioso da música da segunda metade do século 20 mas também o retrato de uma artista que, aos 78 anos, olha para o passado tanto quanto reflete sobre o presente e o futuro.