Dizia Caetano Veloso que “Narciso acha feio o que não é espelho”. Mas o fotógrafo Gustavo Lacerda e seu ensaio Albinos, agora reunido em livro pelas editoras Madalena e Terceiro Nome, mostra o contrário: o que sai do comum desafia e encanta. Há cinco anos, ele viu no parque do Ibirapuera, em São Paulo, um albino – não era a primeira vez, mas foi sim a primeira em que ele olhou com olhos de fotógrafo: os traços físicos, a delicadeza, a timidez de “um ser quase invisível”, conta em entrevista ao jornal O Estado de S.Paulo por telefone.
A partir daí, o mineiro iniciou uma pesquisa na internet e conheceu o blog de Roberto Biscaro, O Albino Incoerente. Um contato levou a outro e em cinco anos realizou o ensaio Albinos, que já foi vencedor do Prêmio Conrado Wessel em 2011 e do Porto Seguro Fotografia em 2010. “A ideia de iniciar o trabalho veio quando percebi que, além da riqueza estética, havia ali questões importantes, como a invisibilidade social e a fotofobia – sendo que fotografia é essencialmente luz”, explica.
O passo seguinte foi encontrar albinos e convencê-los a posar em seus estúdios montados em São Paulo, Rio e Maranhão. Foram 50 os retratados e 35 as imagens selecionadas para o livro. “Quando pensei em fotografá-los, decidi ir atrás dos tecidos que serviriam de fundo, uma lembrança dos antigos retratos de álbuns de família”, comenta Lacerda. E dessa forma o livro foi criado, como um álbum de família, um diário.
O volume inclui em suas páginas uma carta manuscrita de uma mãe ao descobrir que suas gêmeas nasceram albinas. Foi também essa emoção da descoberta que Gustavo Lacerda usou no seu ensaio. O resultado é uma série de retratos de homens, mulheres e crianças registrados com extrema delicadeza, nos quais a beleza se impõe. Retratos clássicos que buscaram referencias em dois fotógrafos aparentemente antagonistas: Diane Arbus, que nos anos 1950 e 1960 procurava fotografar os que viviam à margem em Nova York, e Richard Avedon, conhecido por seu trabalho com moda, mas que nos anos 1980 fez um ensaio famoso retratando pessoas desconhecidas no oeste americano.
E se todo retrato é também um autorretrato, nas imagem de Lacerda quem aparece é o próprio fotógrafo. “Agora percebo que sempre trabalhei com a dualidade do que é feio e do que é bonito, de quem define esses padrões”, comenta o fotógrafo. “Quando optei por produzir e de alguma maneira tirar a naturalidade do retrato, também optei por criar personagens, criar uma ficção.”
Quando se veem os retratos de Albinos, percebe-se que os personagens criados têm vida própria, e como todo retratado só deixaram ser registrado o que eles queriam que fosse percebido. Há aqui uma relação de reconhecimento em que um se apresenta ao outro, em que um funciona e se constitui a partir do olhar do outro.
“Nem todos, a princípio, gostaram do resultado, mas com o tempo essa percepção mudou”, diz Lacerda. “Eles gostaram de ser ver na exposições, no livro, de alguma forma se tornarem mais visíveis.”
O retrato é um registro sempre fascinante e ao mesmo tempo difícil: apresenta, ou quer apresentar, a identidade de um indivíduo e quando realizado de forma séria, fugindo dos modismos dos “selfies”, quase sempre impõe uma percepção inquisidora. Lacerda, embora seguindo uma linguagem clássica e conhecida, conseguiu fugir dos clichês e apresenta agora uma galeria de belos personagens, que por meio de seus olhares e do olhar do fotógrafo, se apresentam para o leitor/espectador. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.