A primeira semana de agosto paulistana celebra um dos maiores monumentos da música em todos os tempos: as seis suítes para violoncelo solo de Johann Sebastian Bach. Desde que foram “redescobertas”, na década final do século 19, num sebo em Barcelona pelo então jovem estudante catalão Pablo Casals, e estreadas em salas de concerto modernas, transformaram-se em símbolo máximo da genialidade de Bach. Dali até o final de sua vida, em 1973, Casals fez de Bach seu norte: “Pela manhã, para começar o dia, preciso de Bach mais que de comida e água. E tem de ser Bach. Preciso de perfeição e alegria”.
De certo modo, os três eventos programadas para os três primeiros dias da semana trazem de volta a alegria em torno de uma obra-prima, perfeita. Na segunda, o violoncelista grego Dimos Goudaroulis faz uma palestra sobre as suítes. Radicado no Brasil há 18 anos e responsável por uma das mais belas e arrojadas gravações recentes da obra, ele retorna na quarta, 06, para tocar três delas em recital. Na terça, 05, o dublê de jornalista e cineasta canadense Eric Siblin lança a edição brasileira de As Suítes para Violoncelo – J.S. Bach, Pablo Casals e a Busca por uma Obra-prima Barroca, da Editora É Realizações. É boa a tradução de Pedro Sette-Câmara, mas há deslizes que uma revisão técnica poderia ter eliminado, como chamar musicólogos de “musicologistas” e deixar escapar coisas como “melodiosidade”.
Siblin segue na esteira do interessantíssimo Reinventing Bach, de Paul Elie (2012), no sentido de que não resiste ao fascínio do contraponto bachiano e constrói uma fuga a várias vozes, intercalando-as nos capítulos. Elie teceu sua polifonia contando as vidas de Bach, Albert Schweitzer, Casals e Glenn Gould, terminando com ecos, influências e recriações populares. Siblin simplificou a trama, limitando-se a Bach, Casals e sua própria empreitada em torno das suítes. De Bach, ele traça a vida e obra; de Casals, narra a saga da descoberta das suítes em Barcelona e o modo como as levou às salas de concerto e à célebre primeira gravação mundial nos anos 1930; e em seu percurso, vai descascando, como uma cebola, a sua aproximação a esta obra-prima.
As duas primeiras histórias, de Bach e Casals, já foram contadas “n” vezes e não apresentam novidades; apenas ordenam em linguagem saborosa o caudaloso volume de informações que as cerca. O mais interessante está mesmo no seu itinerário pessoal. “Minha descoberta pessoal das suítes aconteceu numa noite de outono em 2000 (…) eu estava na plateia do Conservatório Real de Música de Toronto para ouvir um violoncelista de quem eu nunca tinha ouvido falar tocar músicas que eu desconhecia absolutamente”.
Como ele mesmo escreve lá pela página 59, “a única maneira de tirar a música clássica do museu é deixar de tocá-la num museu”. Por isso encanta-se, por exemplo, com a atitude de Matt Haimovitz, que as gravou e passou uma temporada inteira tocando-as em bares, pizzarias e botecos de beira estrada. Matt assustou-se com a reação imediata das pessoas a um trecho velocíssimo, como nas Gigas, ou então a uma melodia majestosa, como nas Sarabandas.
Siblin traz com palavras as suítes para o nosso dia a dia.”O gênero pode ser barroco, mas há múltiplas personalidades e mudanças de humor nas suítes. Consigo ouvir melodias de festas camponesas e minimalismo pós-moderno, lamentos espirituais e riffs de heavy metal, gigas medievais e trilhas sonoras de filmes de espionagem”. E aconselha a seus leitores: “A experiência ideal para a maior parte dos ouvintes pode ser igual à minha quando ouvi a obra pela primeira vez – sem preconceitos. Mas basta conectar as notas e surge uma história”.
Normalmente, temos chance de assistir a uma boa aula/palestra sobre as suítes; ou ler um ótimo livro sobre elas; ou até mesmo assisti-las em recital por um violoncelista de primeira qualidade. Nesta semana você tem o melhor dos mundos: pode fazer o seu próprio percurso completíssimo em direção às suítes de Bach. Você jamais as esquecerá. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.