“Eu me sinto cada vez mais apaixonada pelo piano.” É assim que a pianista russa Elisso Virsaladze define o atual momento de sua trajetória. Aos 72 anos, mais de cinquenta deles dedicados ao instrumento, ela evita falar em “maturidade”. Antes, prefere ressaltar apenas que, com o passar do tempo, “sei com mais clareza o que posso fazer com o piano, o que posso dizer por meio dele”. “Mas não me peça maiores explicações”, completa, divertindo-se.
Virsaladze desembarcou no fim de semana no Brasil. Apresenta-se nesta segunda, 11, e quarta, 13 na Sala São Paulo, pela temporada da Sociedade de Cultura Artística. Vai interpretar, nos dois dias, o mesmo e exigente programa, com peças de Haydn, Mozart, Brahms e Schumann. “Você me pede uma explicação sobre a seleção de obras para os recitais e eu sinceramente não sei o que posso te dizer”, diz. “Talvez que se tratam de peças maravilhosas, e isso é suficiente. O que é melhor: um programa com vários autores ou recitais dedicados exclusivamente a um compositor? Há vantagens e desvantagens nos dois formatos. E o que importa, de qualquer forma, no caso de recitais como os que farei no Brasil, é estar atenta ao estilo específico de cada autor.”
Nascida na Geórgia em 1942, Elisso mudou-se ainda jovem para Moscou, onde completou seus estudos. Ganhou prêmios importantes, estabeleceu parcerias musicais com outras lendas da música russa, a violoncelista Natalia Guttman entre elas, e atuou com a mesma desenvoltura como solista, recitalista ou fazendo música de câmara. É idolatrada entre os colegas. Sviatoslav Richter, grande pianista russo, disse certa vez que não havia em todo o mundo alguém capaz de interpretar as obras de Schumann como ela.
Ela concorda? Ou melhor, acredita mesmo que tem alguma relação em especial com a música de Schumann? “Eu obviamente não poderia ter nada contra uma opinião como essa”, brinca, fazendo questão de ressaltar, porém, o fato de que rótulos são acoplados muito facilmente em um mercado musical que, como qualquer mercado, pensa em termos de produtos. “Já interpretei todos os concertos para piano de Mozart, todas as suas sonatas, e o mesmo vale para Brahms. É claro, estou rodeada de Schumann, e gosto disso, mas também tenho bem próximos de mim outros grandes compositores. É preciso sempre tomar cuidado: um pianista pode estar tocando muitas coisas mas gravando um só compositor. Isso não subentende necessariamente uma relação especial ou excludente.”
Elisso Virsaladze se dedica também a dar aulas. É uma atividade, ela lembra, tão antiga quanto sua relação com a música. “Quando cheguei a Moscou, enquanto estudava, já atuava também orientando pianistas mais jovens. Se não tivesse sido assim, é provável que não tivesse me dedicado tanto ao ensino.” Talvez por isso, enquanto muitos pianistas corriam o mundo em intensas agendas de concerto, sua trajetória tenha sido mais discreta. Não há, porém, qualquer nota de arrependimento quando ela fala no assunto. Pelo contrário. “O que descobri com o tempo é que ser pianista e ensinar piano são duas profissões completamente diferentes. Para dar aulas, é preciso amar os jovens e se dedicar a eles. E a recompensa é gratificante.”
Em cinquenta anos de ensino, no entanto, ela identifica mudanças importantes no perfil dos jovens pianistas. “No contexto da transição entre a União Soviética e a Rússia, o que percebo é um maior contato do aluno com o que se passa em todo o mundo, com outros artistas e repertórios”, explica. “Mas uma outra mudança, e isso vale para qualquer lugar do mundo, é que o jovem cada vez menos valoriza o momento de introspecção, de descoberta solitária da música e do instrumento. Há um desejo de, com muita rapidez, participar de concursos e sair vitorioso, caminho para se tornar um grande concertista de carreira internacional. É uma pena, pois não deveria ser essa a medida do que é um grande músico, um grande artista.”
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.