Variedades

Sanfona universal de Mestrinho estreia com brilho

Soaria a maior das pretensões se a vida não tivesse colocado um ao lado do outro, no mesmo palco. Mestrinho estava lá, orgulhoso, tocando para o herói Dominguinhos como um aprendiz honrando ao samurai. Lá pelas tantas, Seu Domingos apresentou a banda toda, mas não falou em seu nome. A plateia gritou: “E o outro sanfoneiro?”. Mas Domingos ignorou.

Mestrinho teve vontade de chorar. “Será que eu fiz algo que ele não gostou?” Até que o mestre terminou a canção e parou o show: “Olha aqui, eu deixei para apresentar o sanfoneiro depois mesmo, de propósito. Só queria que ele esquentasse antes, como dizia Luiz Gonzaga. Agora, quero que venha cantar uma música comigo aqui, Mestrinho”.

Mestrinho é Edivaldo Junior Alves de Oliveira. Sergipano de Itabaiana, 25 anos, sanfoneiro e cantor metade por dom, metade por profecia de mãe. “Quando ela estava grávida, brigou com meu pai, que também é sanfoneiro. No meio da discussão, disse que teria um filho que tocaria muito mais do que ele, e começou a me chamar de Mestrinho.”

A mãe nunca teve dúvidas de seus pressentimentos e, com o tempo, Mestrinho foi obrigado a concordar com cada um deles. Depois de chegar a São Paulo com o Trio Juriti para trabalhar no circuito do forró universitário de Pinheiros, de fazer parte do conjunto de Elba Ramalho em shows pelo Brasil, de tocar com Dominguinhos e de gravar o disco Gilbertos Samba e participar da turnê, ainda em curso, de Gilberto Gil para lançá-lo, seu primeiro álbum está finalizado.

Opinião, um registro autoral, foi feito em um universo maior que o de baiões e xaxados. Há xotes, como a própria canção Opinião, mas logo se percebe que Mestrinho tem percepções de maior alcance. Algo ali soa jazz, vira samba, volta a ser forró. Sua pegada de mão direita é suave, deslizando pelas teclas com os ligados similares aos de Dominguinhos. E sua voz joga bem nas mesmas posições graves que a do ídolo.

O peso do termo sucessor é demais, ele sabe. Prefere dizer-se seguidor, ou um deles. “Não sou só eu, somos vários.” Sua relação com Domingos se tornou paternal. Até hoje, sua voz desce dois tons quando fala da despedida do homem que lhe deu as primeiras chances na vida. “É uma tristeza que ainda estou trabalhando.”

Em um show no Recife, no Chevrolet Hall, foi ao camarim de Dominguinhos apenas para lhe dar um abraço. “Cadê a sanfona? Tá aí?”, quis saber o músico. Não estava, mas Mestrinho mentiu. “Está sim, no carro.” “Então se prepara que vou te chamar pra tocar comigo”, avisou. O jovem correu até o estacionamento, fez o nome do pai, entrou no automóvel, voou para buscar o instrumento e retornou vivo e a tempo de subir ao palco.

Quando Domingos adoeceu, vítima de um câncer no pulmão, Mestrinho quase adoeceu também. Foi muitas vezes ao Hospital Sírio Libanês, em São Paulo, para uma visita com a sanfona colada ao peito. Em uma delas, levou uma música nova, que havia feito em homenagem ao mestre. Mas, antes de tocar, fez um pedido sincero: “Seu Domingos, se o senhor gostar, aperte a minha mão. Se não gostar, não precisa apertar, tá bom?”. Ajustou o instrumento e começou, silenciando o quarto com sua sanfona. Quando terminou, Mestrinho segurou a mão graúda de Domingos esperando por uma resposta. E, aos poucos, lentamente, o mestre começou a apertar seus dedos. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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