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O Grande Circo Místico estreia no Theatro Net SP

Criado como espetáculo de dança para o balé do Teatro Guaíra, de Curitiba, em 1982, O Grande Circo Místico logo se tornou um clássico popular por conta de canções sofisticadas como Ciranda da Bailarina, A História de Lily Braun e Beatriz. Com melodia de Edu Lobo e letra de Chico Buarque, o espetáculo parecia relegado ao passado quando Isabel, filha de Edu, decidiu retomá-lo – não mais como uma peça de balé, mas em um formato inédito, o de teatro musical. O resultado estreia na quinta-feira, 14, no Theatro Net SP, depois de uma elogiada temporada no Rio.

Foi um trabalho meticuloso, elaborado. O primeiro passo foi a criação de uma dramaturgia para sustentar o espetáculo em seu novo formato – o original, criado por Chico e Edu, partiu de A Túnica Inconsútil, poema escrito por Jorge de Lima em 1938. Isabel, em parceria com a produtora Maria Siman, convidou Newton Moreno e Alessandro Toller para assumir a empreitada e a dupla, ao transportar as personagens consagradas pelas canções, decidiu manter os versos de Lima como ponto de partida.

“Ficamos encantados com a possibilidade de usar essa fábula mística e romântica para pensar qual a função da arte”, explicam Moreno e Toller, em texto sobre a dramaturgia. Assim, eles criaram a improvável história de amor entre o aristocrata Frederico (Gabriel Stauffer) e a bailarina de circo Beatriz (Leticia Colin). Uma paixão que não se realiza imediatamente por um grave motivo: estoura uma grande guerra e o rapaz é obrigado a servir como médico do exército, deixando tanto a bailarina como Charlote (a própria Isabel Lobo), mulher má com quem teria um casamento arranjado.

O conflito também desarticula o circo, obrigando o que restou de sua uma trupe original – a Mulher Barbada (Ana Baird) e o Clown (Reiner Tenente) – a marchar sem rumo sob o comando de seu administrador (Fernando Eiras).

“Jorge de Lima trata de um simbólico antagonismo entre duas das mais agudas patentes do homem: a guerra e a poesia”, observam Moreno e Toller. “Contaminados da febre cristã de A Túnica Inconsútil, apreendemos da poesia que Deus criou o circo (a poesia, o teatro) para limpar do mundo o mal e seus subprodutos. Em nosso espetáculo, é o ato circense-poético de dois heróis amorosos e uma trupe de artistas que teima em não se afogar ante o mar de sangue que atravessam, apagando as cinzas dos bombardeios com serragem e maquiagem e sonho. Em nossa dramaturgia, o circo ganha a guerra.”

Prosseguindo em sua metáfora religiosa, a dupla vê a lona do circo como representação do manto de Cristo e os artistas, na luta pela sobrevivência, seguem uma via crúcis, “sem renegar o fardo, em busca do aplauso”.

O resultado agradou. “A dramaturgia dessa versão me surpreendeu, especialmente por trazer a guerra como novo elemento”, confessa Edu que, compositor refinado, dono de um gosto apurado – considera, por exemplo, o clássico West Side Story, de Leonard Bernstein e Stephen Sondheim, o maior musical de todos os tempos -, sabe da importância da curva dramática em uma história.

“Newton e Alessandro criaram um melodrama típico de circo para falar exatamente sobre o circo. O estilo circense não foi somente uma linguagem encontrada para contar a história. O circo aqui é a essência, é a história. A guerra aparece como seu oposto”, analisa João Fonseca, diretor do espetáculo, que se especializa em musicais com temas nacionais (têm sua assinatura Tim Maia e Cazuza, esse em cartaz em São Paulo).

Ele conta que O Grande Circo Místico foi seu trabalho mais árduo, pelas inúmeras reviravoltas previstas no roteiro. Para isso, fez com que os 17 atores desenvolvessem habilidades circenses, como trapézio, malabares e acrobacia. “Também não foi fácil fazer com as músicas, lindas e complexas, tivessem função dramática, aparecendo de forma orgânica e complementando o texto falado”, afirma.

Como Chico não pode compor novas letras, encenador e dramaturgos decidiram acrescentar outras quatro canções dos mesmos parceiros, como Abandono, Valsa Brasileira, Salmo e Acalanto, todas com novos arranjos criados pelo diretor musical Ernani Maletta.

“As canções têm uma dramaticidade incrível. O grande desafio é trabalhar com letras que dizem muito sobre a história e as personagens”, observa Maletta, lembrando que os temas são executados ao vivo por cinco músicos, além dos próprios atores.

No elenco jovem, destaca-se Fernando Eiras, em iluminada interpretação, especialmente quando o administrador oscila mentalmente durante a guerra. “Sempre me inspiro na ausência pregada por Beckett em seus espetáculos”, conta o ator, que emociona ao encampar as palavras que pregam a vitória da arte contra a barbárie. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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