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Maria Duschenes completaria 92 anos hoje

Quem muda a história, não desaparece. Maria Duschenes (1922-2014), aquela que disseminou os ensinamentos de Rudolf Laban (1879-1958), Kurt Jooss (1901-1979), Emile Jacques-Dalcroze (1865-1950) e Sigurd Leeder (1902-1981) entre nós, faria 92 anos nesta terça-feira, 26, mas morreu em 5 de julho, no Guarujá, vitimada pelo mal de Alzheimer, que começou a devastar a sua mobilidade em 1999.

A família comunicou de forma tocante a sua morte aos mais próximos. Seu filho Ronny (Ronaldo), escreveu: “Minha mãe nos deixou para ir dançar, sem pólio ou Alzheimer, ao encontro do meu pai, seu grande amor”. Seu filho Daniel, neto de Dona Maria, completou: “Minha avó, Maria Duschenes, tinha um dom especial: ela era uma transformadora de pessoas”.

“Quem teve o privilégio de conhecê-la, sabe dessa força que emanava dela. Em sua cama, no apartamento em que vivia, no Guarujá, Maria morreu. Sem alarde, ela se libertou, enfim, do corpo inerte a que o mal de Alzheimer a havia confinado por muitos anos. Agora, enquanto a matéria se dissipa e volta a dançar a dança dos átomos do universo, seu espírito se projeta em nós, para sempre, transformador. Viva Maria Duschenes!”

A grandeza de Dona Maria, como a chamavam seus alunos e admiradores, se derrama em tantos profissionais que fazem a dança acontecer em São Paulo, que fica difícil citar apenas alguns. Ela chegou em 1940, fugindo dos rigores dos bombardeios da Segunda Guerra Mundial. Nasceu em Budapeste e estudou em Dartington Hall (1937- 1939), a famosa escola na qual Laban continuou seu trabalho, abrigando-se do nazismo que recrudescia na Alemanha.

Sua casa no Pacaembu, construída por Herbert Duschenes (1914-2003), arquiteto e professor de história da arte com quem se casou em 1942, foi, por mais de 25 anos, o endereço referência para os que se interessavam por uma dança que respeitava as possibilidades de cada um. Lá, ela ensinava e mantinha grupos de improvisação que marcaram a dança moderna na cidade. Lá, ambos compartilhavam as experiências de suas constantes viagens, nas quais Herbert filmava para depois dividir com alunos e amigos.

Aos 22 anos, Dona Maria teve poliomielite e conseguiu, graças à sua determinação e profundo conhecimento do corpo, reorganizar as limitações que a doença deixou e construiu uma pedagogia autoral, que revitalizou o ensino da dança no Brasil.
Durante dez anos (1984- 1994), coordenou o Projeto Dança/Arte do Movimento, realizado pela Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo nas bibliotecas municipais. Tinha como objetivo demonstrar que a dança originada nas características do próprio movimento humano podia ser acessível a todos.

Além de mestra, foi também coreógrafa. Dentre suas criações, destacam-se, sobretudo, Magitex (1978), com Denilto Gomes (1953-1994), Juliana Carneiro da Cunha e J. C. Violla, apresentada na 1.ª Bienal Latino-americana. Mas sua marca mais forte foi nas danças corais que organizou – aquelas que reuniam muitos participantes em torno dos princípios do seu mestre Laban, que promoviam uma dança democratizadora, porque voltada para a descoberta do movimento de cada um como possibilidade de construção do coletivo.

A dança coral com a qual celebrou o centenário de Laban, em 1979, O Navio da Noite, reuniu 80 crianças frequentadoras das bibliotecas públicas paulistanas no Centro Cultural São Paulo, e recebeu menção honrosa no Centro Laban, em Londres, tendo sido considerada uma das melhores manifestações realizadas em todo o mundo na ocasião. Origens I (1990), com 150 pessoas, realizada no Teatro Municipal de São Paulo, foi um marco, assim como Origens II (1991), apresentada na 21.ª Bienal Internacional de Arte de São Paulo com 100 crianças, supervisionada por ela e dirigida por suas colaboradoras Maria Mommensohn, Renata Neves, Solange Arruda, Tuca Pregnolatto, Lucia Helena Navarro, Lenira Rangel e Cilô Laçava.

A profundidade e a extensão do que Dona Maria nos legou não cabe em qualquer formulação, porque tem a potência daquilo que se desborda todo o tempo. Materializados em tantos profissionais da dança, seus ensinamentos se transformaram em um processo de educação continuada, que vive em constante expansão. Felizmente, os que aprenderam com ela que “com a dança, a gente fala com o mundo” sabem como fazer com que Maria Duschenes continue viva, como bem disse seu neto. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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