Às vésperas de completar 70 anos e com uma nova coletânea dedicada a gravações feitas nos anos 60 e 70, poderia se imaginar que este é um momento de balanço para Nelson Freire. Mas o pianista logo rechaça qualquer resquício de nostalgia. “Estou preocupado em ir para a frente”, diz. E, depois de um primeiro semestre repleto de recitais na Inglaterra, Alemanha, Rússia, no Japão, em Cingapura e na Austrália, ele se prepara agora para embarcar em uma turnê latino-americana com a Philharmonia Orchestra e, além da coletânea Radio Days, leva na bagagem outros quatro projetos discográficos.
Freire e orquestra, regida por Vladimir Ashkenazy, passam pelo Brasil nos dias 15 e 16 (Sala São Paulo) e 17 (Municipal do Rio), para concertos que integram a temporada do Mozarteum Brasileiro. Vão interpretar o Concerto nº 5 – Imperador, de Beethoven, obra que está no recém-lançado disco em que ele atua ao lado da orquestra do Gewandhaus de Leipzig e o maestro Riccardo Chailly (o CD tem ainda a Sonata Op.111 do compositor). O mesmo selo Decca acaba de lançar Radio Days e de incluir o registro de Freire e Martha Argerich da suíte para dois pianos de Rachmaninov em uma caixa com toda a obra do autor. Também para a Decca, Freire gravou, na Alemanha, o Concerto nº 2 de Chopin (o lançamento mundial será em janeiro mas, segundo o site da gravadora, a previsão é de que o disco chegue ainda este ano ao Brasil). E, pelo selo Biscoito Fino, será lançado um concerto feito pelo pianista em 1966 na Sala Cecília Meireles, no Rio, transmitido na época pelo rádio.
Freire conta que o disco dedicado a Beethoven abre uma série que terá os cinco concertos para o compositor – o próximo a ser lançado será o quarto. Ele tinha dúvidas sobre se era pianista “para um projeto desses”. Mas ajudou o fato de que as gravações seriam feitas com Chailly, com quem ele já registrou os dois concertos de Brahms. “É um músico fantástico, passa uma boa vibração”, diz o pianista. Outro dado que o convenceu: as gravações seriam ao vivo. “Eles registram os concertos e os ensaios e depois fazem a edição. Ao vivo, a chance de perder o prazer de tocar e de ouvir é menor. Eu não participo disso, não participo de nada. Se eu for ouvir, não deixo lançar”, diz, rindo.
Mas, para Radio Days, ele teve que voltar às gravações antigas para escolher os registros que entrariam no disco. “Com esse material, não tenho problema, gosto de ouvir. Até porque não há muito o que fazer e, sendo concertos ao vivo, a preocupação com o perfeccionismo não é tão importante.” Entre os registros selecionados, está um concerto de Tchaikovski com Kurt Masur, na França; o concerto nº 2 de Liszt com Eleazar de Carvalho na Alemanha; e um terceiro de Rachmaninoff com David Zinmann e a Filarmônica de Roterdã.
“Fiquei só com pena porque não pudemos incluir uma gravação minha com o maestro Rafael Kubelik. Ele era um cara simpático, mas os herdeiros não deixaram.” O disco da Biscoito Fino terá o concerto de Grieg e o nº 1 de Liszt. “É especial porque a regência era do Alceo Bocchino e, naquele dia, tinha muita gente querida na plateia, a Guiomar Novaes, meus pais, a minha professora Lucia Branco.”
Freire se diz contente em poder se aprofundar nos concertos de Beethoven. “Deus me livre dizer para mim mesmo que cheguei a um patamar de excelência. É fundamental seguir aprendendo. Toco o concerto nº 5, por exemplo, desde os 11 anos e, trabalhando para a gravação, percebo que renasceu para mim”, explica. Com a Sonata Op. 111, a relação foi conflituosa. “Toquei pela primeira vez recentemente, na Itália, depois a gravei em Berlim. No começo do ano, coloquei num recital em São Paulo, mas não gostei do resultado. Fiquei chateado e pensando se não era o caso de tirá-la do programa dos recitais que faria em seguida na Europa, em Londres e Berlim. Mas, no dia seguinte, resolvi que não ia parar no meio do caminho. E foi bom ter insistido. Na minha idade, poder aprender algo novo é incrível.”
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.