Seu currículo como realizador inclui dois curtas cultuados – Nuit Noire, Calcutta, com roteiro de Marguerite Duras, e Comédie, escrito pelo dramaturgo Samuel Beckett. “Ele era detalhista e trabalhou durante meses na escrita.” Marin Karmitz também dirigiu os longas Sept Jours Ailleurs, Camarades e Coup pour Coup, tudo isso entre 1964 e 72. Eram filmes políticos e foi difícil obter financiamento. Em 1967, ele fundou a empresa MK2, a princípio voltada exclusivamente à produção de curtas. Sete anos mais tarde, em 1974, convencido de que necessitava de um circuito próprio para distribuir e exibir a produção autoral que lhe interessava, ampliou o negócio e abriu sua primeira sala na França.
Foi no dia 1.º de maio daquele ano – a MK2 (Praça da) Bastille. Decorridos 40 anos, a MK2 é hoje o terceiro maior grupo de cinema da França, após Gaumont e Pathé e o primeiro em todo o mundo na produção e distribuição de filmes autorais, ditos de arte. Os 40 anos da MK2 vão ser comemorados no Brasil – pela Mostra de São Paulo. Em outubro, Karmitz virá à cidade para a retrospectiva formada por alguns dos filmes que fizeram a glória da MK2. Está animado. Numa entrevista por telefone, de Paris, conta que espera ter encontros com o público, com produtores e diretores.
Nascido numa família judia de Bucareste, na Romênia, em 1938, Marin Karmitz emigrou com os pais para a França quando tinha 9 anos. Virou francês, sem renegar as origens. A pergunta que não quer calar – foi difícil abrir mão da direção para se tornar produtor? “No início, foi, sim. Mas tive o privilégio de ter tido encontros excepcionais, com grandes artistas que me fizeram cúmplices de seu gênio criador. Tem sido uma aventura incrível.” Karmitz enumera alguns desses encontros. Com Jean-Luc Godard, Salve-se Quem Puder (a Vida), filme marco da revolução digital, de 1979: Krzystof Kieslowski e Abbas Kiarostami.
De Kieslowski, ele produziu, por exemplo, a trilogia da cores – A Liberdade É Azul, A Igualdade É Branca, A Fraternidade É Vermelha. “Ele não era apenas um artista excepcional, era um ser humano fora de série. A convivência com Krzystof me marcou muito. Quando morreu, senti um vazio imenso. Por um momento cheguei a pensar que o cinema perdera todo encanto para mim.” Nos últimos anos, tem trabalhado bastante com Kiarostami. Mesmo continuando firme nos negócios, cedeu, em 2005, a empresa e seus ativos ao filho Nathanael. “Na vida e nos negócios, é preciso saber delegar. E chega um ponto em que você tem de sair de cena.”
Os números impressionam – Marin Karmitz produziu mais de 90 filmes (incluindo Ópera do Malandro, de Ruy Guerra, com o Brasil), distribuiu 300 e a MK2 possui dez complexos. Seu catálogo de mais de 400 filmes inclui os direitos de Charles Chaplin, François Truffaut, Claude Chabrol, Gus Van Sant, Kieslowski e Kiarostami. As salas da MK2 contabilizam 17% do mercado da França, com cerca de 5 milhões de espectadores/ano. Nelas, há espaço para a produção de Hollywood.
“Existem grandes autores nos blockbusters. E nós equilibramos. Um grande sucesso nos permite manter em cartaz filmes que não têm o mesmo atrativo para o grande público, mas nos são caros.”
Agora mesmo, o estouro nas salas da MK2 é um longa exibido na Quinzena dos Realizadores de Cannes, em maio – Les Combattants, de Thomas Cailley. Um filme pequeno, sem astros nem estrelas, mas que o público está adorando. Também vai muito bem The Winter Sleep, de Nuri Bilge Ceylan, o vencedor da Palma de Ouro de 2014. Que filmes forjaram o imaginário de Marin Karmitz? Luzes da Cidade, de Chaplin, Viagem na Itália, de Roberto Rossellini. O repórter diz o seu – Rocco e Seus Irmãos, de Luchino Visconti. “Magnífico”, comenta Karmitz.
“Vou lhe contar uma história. Era (e ainda sou) muito amigo de Jeanne Moreau. Ela foi convidada para fazer dois filmes na Itália, com Michelangelo Antonioni e Visconti, e era Rocco. Levei Jeanne para ver Obsessão e La Terra Trema, porque ela não conhecia Luchino. Jeanne foi ser Nadia – Visconti precisava de uma atriz francesa, por causa da coprodução. Quase no início da filmagem, Jeanne desistiu, Annie Girardot a substituiu e fez lindamente o papel. Anos mais tarde, Michael Haneke contratou Jeanne para fazer La Pianiste, como a mãe de Isabelle Huppert.
Nas provas de roupas ela se desentendeu com Haneke e desistiu. Não faço. De novo Annie a substituiu, e foi seu último grande papel.” Karmitz deixou de dirigir, mas segue sendo um contador de histórias de cinema. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.