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Beco das Garrafas, no Rio, é reinaugurado após 50 anos

Houve um tempo em que o mundo cabia em um beco. Mais precisamente em uma ruazinha sem saída de Copacabana que se atravessava de um lado a outro com cinco passos. Eram quatro bares: Ma Griffe, Bacará, Little Club e Bottles. Um ao lado do outro, sem palco nem camarim, sem cachê e sem frescura. A luz era feita com lata de óleo e plástico colorido que funcionava até que o cheiro de queimado infestasse o lugar. Era tudo improvisado e mágico, o cantinho de noite em que todo mundo que queria fazer música no início dos anos 60 gostaria de estar: Elis Regina, Wilson Simonal, Leni Andrade, Jorge Ben, Sérgio Mendes, Dom Salvador, Edu Lobo, Tamba Trio, Baden Powell, Alaíde Costa, Dom Um Romão, Airto Moreira, Wilson das Neves, Milton Banana, Raul de Souza, Luís Carlos Vinhas, Dóris Monteiro, Marcos Valle, João Donato, Claudette Soares e Sylvia Telles, além dos produtores Luis Carlos Miele e Ronaldo Bôscoli. Todos corriam para Copacabana.

O beco começou a descer pelo ralo quando Ellis Regina foi para São Paulo virar Elis Regina e meses depois de o Golpe de 1964 dar preguiça em quem só queria pensar em música. Muitos deles, como Airto, Sérgio Mendes e Chico Batera, se mandaram para os Estados Unidos e ajudaram a deixar o beco sem saída. Uma revitalização foi ensaiada no início dos anos 90, mas não prosperou. E então nesta quinta-feira, 18 de setembro de 2014, tudo acontece como em um sonho daqueles passados em uma máquina do tempo. É o dia da reabertura do novo Beco das Garrafas.

O beco já era dos ratos até que, há um ano, a produtora Amanda Bravo, filha do compositor e violonista Durval Ferreira, outro cliente daquelas bandas nos anos 60, morto em 2007, passou pelas ruínas, sentiu uma dor no peito e ligou para o empresário Sérgio De Martino. Na raça, reabriram um dos bares como puderam, apenas para chamar a atenção de um filho de Deus disposto a colocar dinheiro na aventura. A estratégia deu certo quando uma marca de cervejas mordeu a isca e entrou na empreitada para revitalizar a área. Assim, o Bottles Bar e o Bacará, que havia se tornado um night club decaído, foram unidos para formar um único espaço. O nome que ficou foi Bottles e a capacidade foi ampliada para 70 pessoas. O Little Club, também reformado, pode receber até 80. E o Ma Griffe, hoje desativado, já era uma casa de prostituição nos anos 60. “As pessoas me perguntam por que este espaço não foi revitalizado antes. Eu digo que o tempo certo é agora. A sociedade carioca estava clamando por um lugar que tivesse espaço para a música brasileira na zona sul”, afirma Amanda.

A empresa que apostou na ideia, a Heinecken, vai fazer uma programação de inauguração até o dia 3 de outubro, que terá curadoria do produtor Kassin. “Queremos resgatar a história da bossa nova e o frescor que a musicalidade brasileira possui. Nada melhor do que o lugar que deu o pontapé inicial para isso”, lembra Bernardo Spielmann, diretor da marca. Depois desta primeira fase, a programação volta para as mãos de Amanda Bravo.

A produtora, que também é cantora e está prestes a lançar um disco com músicas inéditas do pai Durval, diz que quer preservar a aura do Beco dos tempos em que sua vocação era apontar para o novo com precisão impressionante. “Quero permitir o encontro da nova com a velha geração, gente que já passou pelo Beco e artistas recentes.”

Por pura coincidência ou trama dos astros, o Beco reabre 50 anos depois do primeiro show de Elis Regina no Rio de Janeiro, quando chegou ao Bottles direto de Porto Alegre. Depois de algumas semanas de êxtase, foi demitida por Roberto Jorge, um dos diretores do show, por faltar demais às apresentações. De lá, foi contratada para o vizinho Little Club a convite da dupla Miele e Bôscoli, mas, novamente, receberia o cartão vermelho assim que Bôscoli descobrisse que Elis estava faltando para cantar em outros terreiros. O fato é que a cantora começava a ficar grande demais para os pubs do Rio. E São Paulo, onde ela se tornaria um estrondo nacional, já a assediava com vontade.

O nome Beco das Garrafas foi inspirado na reação dos vizinhos. Impacientes com o barulho dos músicos, eles arremessavam garrafas na rua assim que a farra aumentava. Alguns moradores ainda reclamam, mas as garrafas não começaram a voar. O primeiro teste será nesta quinta-feira. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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