Os dois principais convidados nos dez anos do festival Paraty em Foco, que começa nesta quarta-feira, 24, têm em comum a capacidade de transformar momentos ordinários em pura poesia. A japonesa Rinko Kawauchi, aos 42 anos, combina a serenidade oriental com perturbadoras imagens construídas com a luz. O norte-americano David Alan Harvey, que completou 70 anos em junho, trabalha igualmente com a luz, mas privilegia a sombra. Compreensível. Harvey estudou pintura, foi inicialmente marcado pela instabilidade da luz captada pelos impressionistas, mas retomou a trilha realista, tornando-se conhecido como um fotógrafo das ruas, ao adotar como referências Robert Frank e Cartier-Bresson, este último um dos criadores da respeitada agência Magnum, para a qual David Alan Harvey trabalha desde 1997.
O fotógrafo concedeu uma entrevista, por telefone, na qual falou principalmente de sua experiência brasileira, mais particularmente sobre seu livro Based on a True Story (Baseado numa História Real), vigoroso exercício de fotojornalismo que venceu no ano passado o Pictures of the Year (Poy), concurso instituído há 70 anos pela Universidade de Missouri. O livro é fruto de uma longa temporada de dois anos que Harvey passou no Rio de Janeiro, fotografando o povo nas praias e nas favelas com uma Leica M9, um iPhone e uma Panasonic GF-1.
Para Alan Harvey, foi como voltar ao primeiro livro, Tell It Like It Is (Conte como é), de 1967. Para criar essas imagens antológicas, ele foi morar com uma família pobre de negros num gueto da Virgínia. Passou um verão inteiro documentando a vida desses deserdados. No Rio, a cor e a condição social de seus modelos não mudou. “Guardamos muitas semelhanças entre nós”, ironiza o fotógrafo. “Apreender a cultura local é a minha meta, e não me desviei dela por um minuto, desde então”, garante. “Tinha 23 anos quando fiz o livro e, na época, a relação entre brancos e negros era turbulenta”, conta. “Meus pais não eram racistas, mas meu avô ficou bastante irritado quando fiz a série”, lembra.
Alan Harvey era um garoto surfista de classe média que só pensava em festas e garotas, revela. Por motivos desconhecidos, o tédio burguês o levou a perceber a vida dos negros e ele teve uma espécie de epifania ao visitar o gueto negro que lhe abriu as portas do fotojornalismo, colocando o fotógrafo no caminho trilhado por Walker Evans e outros profissionais que, antes dele, registraram a miséria nos EUA. Com o sucesso do primeiro livro, suas aspirações foram além da estética, ao doar o dinheiro que recebeu da edição para a igreja da comunidade local. “Era um idealista, e continuo sendo.”
Ele vai ministrar workshops e expor cinco gigantescas fotos (de 5 m x 5 m) na tenda montada na Praça da Matriz, em Paraty, onde também vão ser instalados quatro grandes cubos com 48 fotos de Rinko Kawauchi (backlights com imagens de seu livro Iluminance). No total, segundo o organizador do Paraty em Foco, Iatã Canabrava, serão 900 m² ocupados por imagens. Fotógrafos como o mexicano Javier Hinojosa, que usa drones para produzir fotos, vão ministrar 22 workshops.
Outros, como o holandês Niels Stomps, foram convidados para falar de seus fotolivros a um público calculado em 6 mil pessoas esperadas para o evento, orçado em R$ 1,3 milhão (a organização captou R$ 900 mil).
Tendo como curador das exposições o fotógrafo e curador independente espanhol Claudi Carreras, a décima edição do Paraty em Foco recebeu mais de 1.200 ensaios de 26 países. Entre os dez maiores festivais do gênero no mundo, o Paraty em Foco vai abrir gratuitamente a tenda da Matriz (sem a necessidade de retirar ingressos) para todas as entrevistas que serão feitas com os fotógrafos convidados – de David Alan Harvey e Rinko Kawauchi a Pedro Motta e Rodrigo Braga. A tenda tem capacidade para 400 pessoas. Já os workshops são pagos (R$ 450). Com patrocínio do grupo Itaú, Petrobrás, prefeitura de Paraty, Nikon e Faap, o festival vai até domingo, 28. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.