Abrir com as Variações Goldberg, de Bach, a nova edição de um festival cuja marca tem sido a divulgação da música contemporânea, poderia ser algo impensável. Mas é o que vai acontecer, nesta quarta-feira, 24, no recital que abre o 48.º Festival Música Nova, em Ribeirão Preto, reforçando a nova orientação estética do evento, aberto, agora, nas palavras de seu criador Gilberto Mendes, “à música nova de todos os tempos”.
O festival vai ocupar, até o dia 4, diversos palcos de Santos, São Paulo e Ribeirão Preto (o festival é realizado pelo Departamento de Música do campus da USP na cidade, em parceria com instituições como o Sesc). Serão 15 concertos, com a participação de grupos como o Ensemble Música Nova, a USP Filarmônica, os quartetos Carlos Gomes e Camargo Guarnieri, o Piap e o Percorso Ensemble, além de artistas como o pianista Antônio Eduardo, o tenor Jean William e o pianista e compositor Lívio Tragtenberg. A compositora residente é a alemã Dorothea Hoffmann.
Professor do Departamento de Música da USP de Ribeirão, Rubens Ricciardi trabalha ao lado de Mendes na direção artística do festival. E ajuda a contextualizar não apenas a história do evento como seu novo formato. “Nos anos 1960, Gilberto Mendes descobre o Festival de Darmstadt, a neue musik, e, de volta ao Brasil, cria o evento. Mas ele sempre foi um compositor dinâmico. Já nos anos 1980, passa a trabalhar com outras propostas poéticas. Só que o festival seguiu atrelado às ideias de Darmstadt. Quando, em 2011, o festival passou a ser realizado pela USP de Ribeirão, ele pediu para que pensássemos em uma mostra diferente, com essa nova proposta.”
E como definir essa proposta? Em um texto, Ricciardi, Mendes e Lucas Eduardo da Silva Galon citam Umberto Eco e a ideia de que “faz parte do experimentalismo a constante transformação do método” para justificar uma atitude “incansável de mudança e autossuperação”; e, mais adiante, evocam Baudelaire, que “chamou atenção para os poetas de combate, para os literatos de vanguarda cujos hábitos de metáforas militares denotam espíritos não militantes, mas feitos para a disciplina, isto é, para o conformismo, espíritos nascidos domésticos”.
Em outras palavras, diz Ricciardi, “a vanguarda acabou se tornando rígida”, dando voltas em si mesma, gerando novos compositores que se prestam, em seus trabalhos, a pouco mais do que a repetição de ideias de 50 anos atrás. “Mesmo de alguns desses epígonos teremos obras”, afirma o professor e compositor. “Mas estamos nos abrindo à ideia de que estar aberto para o experimentalismo é, em certa medida, romper com essa ideia cristalizada do que é ou não vanguarda. Daí a ideia de termos na programação a vanguarda de diversas épocas, entendendo que, no nosso tempo, a criação experimental se dá por meio do diálogo de diferentes correntes.”
Na prática, a ideia significa não apenas a presença na programação de autores como Bach, mas a tentativa de combiná-los com outros criadores. Além disso, compositores que, por conta de velhas disputas estéticas jamais entrariam na programação, como Osvaldo Lacerda, também marcam presença. Olivier Toni será homenageado com a execução de um arranjo para orquestra feito por ele para peças corais de Villa-Lobos; Guerra Peixe, no ano de seu centenário, também será lembrado, assim como o compositor Mário Ficarelli. Ricciardi ressalta ainda um recital do pianista Antonio Eduardo, dedicado a autores russos pouco conhecidos; ou então a apresentação de obras de Jorge Antunes e Flô Menezes. “Só ficaram de fora aqueles cujas obras deixam de lado o caráter experimental em favor da repetição de clichês eternos.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.