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Naomi Kawase é destaque da Mostra entre os 345 títulos

Numa recente visita ao Brasil, homenageado pelo Instituto Moreira Salles, no Rio, Jia Zhang-ke saiu para jantar com amigos e terminou fazendo uma confissão.
O grande diretor chinês – crítico ácido das transformações capitalistas que transformaram a China em fiel da balança da economia do mundo – será homenageado pela 38.ª Mostra Internacional de Cinema São Paulo com o lançamento de um livro e do documentário que sobre ele fez Walter Salles.

A confissão de Jia: foi voto vencido no recente Festival de Cannes, em maio. Integrante do júri presidido por Jane Campion, ele gostaria de ter visto a japonesa Naomi Kawase ganhar a Palma de Ouro por seu deslumbrante Still the Water, que vai passar na Mostra como O Segredo das Águas.

Naomi pode ter sido derrotada pela própria… soberba? Repetidas vezes ela disse, em Cannes, que O Segredo das Águas era uma obra-prima e merecia a Palma. O filme é uma obra-prima, mas ela não levou… Por que? É uma possibilidade que a presidente do júri tenha solapado a vitória de Naomi para continuar sendo a única mulher a vencer o prêmio – por O Piano, em 1993.

São meras suposições, mas, quando foi entrevistada pelo Estado, Naomi estava cheia de entusiasmo e esperança. A entrevista, a bem da verdade, quase foi cancelada, a poucas horas da premiação. Naomi estava com problemas de coluna.
Sentia dores terríveis. O marido, e massagista, colou-se atrás dela e tentava relaxá-la, enquanto falava. Havia algo de erótico na cena. Ela fazia cara de dor. Suspirava e em alguns momentos, como se sentisse prazer, jogava-se para trás, sobre ele. Naomi não tem limites. Filmou o próprio parto, o que levou mais de um crítico a chamá-la de exibicionista.

O Segredo das Águas é uma das atrações da Mostra que começa nesta quarta-feira, 15, para convidados, sob o signo do humor, com Relatos Selvagens, do argentino Demián Szafrón. Nesta quinta-feira, 16, o evento começa para o público em geral, com 345 bons motivos – o número total de filmes – para que o cinéfilo se sinta estimulado a celebrar sua paixão pelas imagens em movimento.

Renata de Almeida, a sra. Mostra, vive dizendo que gostaria de reduzir o número. Mesmo com 200 títulos, seria humanamente impossível para uma pessoa assistir a todos. Mas há quase 40 anos a Mostra é essa maratona. Ter de escolher entre tanta oferta faz parte do show. Só não perca Still the Water/O Segredo das Águas. O filme passa-se numa ilha assolada por ventos e ondas gigantescas. Logo no começo, um jovem descobre um cadáver na praia. Com a amiga, também jovem, vai tentar descobrir o que houve. E sua mãe está morrendo.

“Descobri minhas origens nessa ilha quando lá estive pela primeira vez, há oito anos. Minha bisavó era uma xamã e até por conta disso, quando decidi fazer o filme, senti que ele era especial para mim, mas também teria de ser especial para os outros. Minha bisavó era depositária de mistérios ancestrais. A ilha mantém vivas tradições milenares. Sou adotada, você sabe, e isso pode ser doloroso. Por mais amor que receba, você é produto de uma rejeição inicial. Na ilha, mais que em qualquer outro lugar, compreendi que vida e morte fazem parte do mesmo movimento e que o sofrimento pode ser um estímulo para a superação. A natureza, o mar que provêm o sustento da ilha, também a ameaça. É como uma metáfora do tempo e do turbilhão interior que pode nos tragar.”

O homem moderno, diz a diretora, perdeu seu vínculo com a morte. “Tentamos negá-la o tempo todo, vivendo freneticamente. De que adianta? Desde que nascemos, estamos destinados a morrer. O importante é superar a atitude negativa em relação a isso e viver serenamente.”

Naomi começou fazendo documentários. “O cinema possui essa capacidade única de captar e expressar a realidade. Você liga a câmera e já tem o mundo ao redor.
Queria mostrar personagens verdadeiros, ancorados no sentido da realidade. E também mostrar como a natureza que nos assusta é bela. É o meu filme mais acabado. Sei que pareço competitiva, e nós, japoneses, somos estimulados a competir. Mas para que o filme seja usufruído como gostaria, o público, e você que vem de tão longe, do Brasil, tem de fazer do meu filme uma coisa sua. Só assim ele serás grande, como espero. Começa com o mar bravio e termina com ele calmo. Se há um mistério, é esse. Precisamos viver em paz conosco e com o mundo ao redor.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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