Com 88 anos completados em julho, Beatriz Segall já poderia ter deixado de trabalhar, mas resolveu manter-se ativa. “Não estou aposentada, não”, avisa a atriz, que decidiu dar aulas particulares de interpretação. Com mais de seis décadas de carreira, ela quer perpetuar o que aprendeu. “Chegou a hora de passar adiante meu conhecimento”, explica ela, que cobra R$ 200 por hora. Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, a artista explica como funciona seu processo de seleção e avalia a situação da cultura no País. Os interessados nas aulas devem escrever para [email protected].
Qual é a dinâmica e o crivo para alguém se tornar aluno?
Gostaria de dar aula no máximo para três alunos. Dou preferência àqueles que reconheço que têm algum potencial. Tem muita dona de casa que quer fazer e advogados que querem aprender como falar, demonstrar segurança. É uma coisa muito subjetiva. Um advogado tem de aprender a falar em público. Não é uma questão de talento teatral. O estudante de teatro é diferente. Tenho de descobrir os talentos do aluno e tentar desenvolvê-los. Em geral, explico o que se faz em uma peça de teatro e ele escolhe um texto. Se for mais de um aluno, eles podem escolher o mesmo trecho.
Pelo fato de a senhora ser uma atriz consagrada, acredita que as pessoas sintam medo de se tornarem alunos seus?
Se acontecer é uma bobagem, não sou nenhum monstro sagrado. Sou uma pessoa que já fez bastante teatro e que gostaria de passar adiante o que aprendi.
Existe um teste?
Peço que tragam um texto e trabalho em cima dele. Não faço teste. Se acho que a pessoa nunca vai conseguir aparecer na frente das cortinas, eu aviso que “infelizmente não posso fazer nada por você”. Mas acho muito difícil dizer uma coisa dessas. Quando eu era mais moça, era mais direta e dizia “acho que você não deveria mais fazer teatro”. Aprendi que isso é uma coisa que ninguém pode dizer. Já vi tanto ator ruim batalhar e conseguir se tornar um bom ator. Não vou citar nomes porque não quero ofender ninguém. Eu não digo “desista”.
Em geral, quem procura aulas de interpretação está de olho no trabalho em TV?
Esse é o grande perigo. Para ser famoso, não basta estudar e fazer TV. É preciso fazer direito a sua profissão. Através da TV, você fica famoso em 15 dias, mas isso não quer dizer que você seja bom. Eu faço aprender as coisas primeiro para depois se meter a besta. A pretensão da gente quando começa. Sempre acha que vai ser a Sarah Bernhardt nacional.
A senhora tem paciência para ajudar os novatos?
Sou filha de professores e minha formação é essa. Tenho um prazer muito grande em ensinar. Não gosto de professor que impõe a sua maneira de trabalhar. Há alguns que fazem isso. Só está bom quando imitam o professor. Isso é uma maneira de cercear o aluno, que, às vezes, é mais talentoso do que ele. Quero que os alunos brilhem.
Por que a senhora deu um tempo do teatro agora?
Conversando com Mamãe ficou quase um ano em cartaz. Estou parada há três anos. Eu não produzo mais, fico esperando que me chamem. Já dei emprego para muita gente, Agora, estou esperando que me deem emprego. Fazer teatro é muito difícil, é ficar sentado na sala de espera de bancos e companhias, sabendo que TV e internet dão mais resultado. Antigamente, você vivia com o que vinha da bilheteria. Hoje, não dá mais.
É ruim depender de financiamento público, já que a iniciativa privada não investe tanto?
É muito ruim. Quando se pensa nessa amaldiçoada meia-entrada, que faz a gente cobrar mais pela inteira para compensar, afasta o público. Acho que a cultura no Brasil, de um modo geral, está negligenciada. Antes disso, a educação. Sem educação, um país não progride.
Tem visto algum talento promissor na TV?
Não vejo novela. Acho difícil que hoje ocorra o que acontecia em novelas como Rainha da Sucata, Vale Tudo, Dancin Days. Eram elencos em que todo mundo era bom.
A TV não tentou trazer a senhora de volta recentemente?
Deveria querer, mas não acho que esteja. O público está. Volta e meia, na rua me dizem que preciso voltar. Sou atriz. Faço cinema, teatro e televisão.
Odete Roitman continua presente em sua vida?
Até hoje me chamam de Dona Odete. As pessoas não acreditam, mas a Odete Roitman era adorada pelo público. Dizia todas as verdades que os brasileiros precisavam ouvir.
Hoje, o mundo politicamente correto é um problema?
A patrulha existe. Como a educação piorou, a arte fica prejudicada. Não vejo grandes ações do Ministério da Cultura, não sei nem para o que serve. Com esse partido, o PT, não há nenhum interesse em melhorar a cultura. Como diz o chefão: “Cultura é coisa das elite, não das elites, e as elite devem ser combatidas”. É pior do que ser retrógrado, é ser contra.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.