Variedades

Made in China, de Estevão Ciavatta, estreia hoje

Regina Casé fica, como diz para o repórter, sem graça. “Para de falar no nosso filme. Sou só atriz. O filme é do Estevão.” O filme em questão, que estreia nesta quinta-feira, 6, é Made in China e Estevão Ciavatta, o diretor, é marido dela. A apresentadora do Esquenta! volta ao cinema, 14 anos depois de Eu Tu Eles, de Andrucha Waddington. E volta com tudo. Regina emendou a filmagem de Made in China com a do novo longa de Anna Muylaert, mas Que Horas Ela Volta? ficou para o ano que vem. Made in China teve sessões de avaliação no Rio e em São Paulo. O filme tem a cara do Rio – passa-se na Saara, uma região de comércio popular no Centro da cidade chamada de maravilhosa. Foi bem-avaliado nas duas praças, mas a surpresa é que, em São Paulo, foi mais ainda. “São Paulo também tem esse comércio, na 25 de Março”, lembra, numa entrevista por telefone.

Como comédia, Made in China pode se tornar decepcionante – é um lançamento grande, com 450 salas -, porque não é muito engraçado. A mesma piada, que é bom não contar, é repetida três ou quatro vezes. Mas o argumento não apenas é original – um espelho que reflete as idiossincrasias da economia global – como o filme foi quase todo feito em estúdio, reproduzindo a Saara carioca. Seria complicado filmar num local tão movimentado. “Não é por ser meu marido, não, porque em questões profissionais nem sempre estamos 100% de acordo, mas o Estevão é bom demais nos detalhes. Ele tem esse olho de diretor. Sabe recriar uma realidade tão perfeita que a Saara dele, na tela, não deve nada à original.”

A atriz sabe do que fala. “Conheço aquilo há muitos anos. Vou sempre. As pessoas de lá também me conhecem. Comigo não tem esse negócio de me isolar. Sou celebridade, não posso ir sem seguranças, vão me assediar. Eu, hein? Se esse fosse o preço por ser artista, ia preferir não ser.” Como a Marlene de Eu Tu Eles, a Francis de Made in China é mais uma dessas mulheres do povo que Regina também cria com perfeição, porque conhece os tipos. “São mulheres como eu, batalhadoras. Meus pais morreram cedo. Aos 11 anos, já estava trabalhando para me sustentar, numa pet shop. E nunca deixei de sonhar, de acreditar. Adoro essas mulheres que enfrentam um trem ou um ônibus na madrugada e não descem do salto alto nem dispensam a argola do brinco. Dão tanto duro, mas querem ser amadas, gostosas.”

Esse feminismo dá o tom da personagem, que enquadra seu homem – interpretado pelo cantor Xande de Pilares. Francis/Regina reclama quando ele manifesta a vontade de morar junto. “Pra tomar meu iogurte, encher o refrigerador de cerveja e trocar de canal pro futebol? Não, obrigado.” Essa mulher que sabe o que quer não deixa de impor suas condições. A convivência no amor impõe uma negociação. Mais do que se fazer por merecer, Xande vai ter de fazer por merecê-la. Mas essa mulher também faz o que é preciso para defender seu homem.
Talvez o barato de Made in China seja menos o de ser uma comédia rasgada que o de retratar o estado do mundo. A Saara era uma região de comércio de árabes e judeus, mas hoje a loja do seu Salim, a do seu Fuad está dando espaço aos chineses.

“Como eles conseguem vender as luzinhas de Natal por R$ 1,99?”, Francis não se cansa de perguntar. E de fazer as contas. As 140 lâmpadas, o interruptor, o fio, somado tudo no bico do lápis não dá menos de R$ 20. Que milagre é esse? Talvez esteja nas denúncias de trabalho escravo sempre associadas ao boom da economia da China, pode ser. Na ficção de Made in China, turcos e libaneses são árabes (e o Nazir de Otávio Augusto vira sócio do comerciante judeu). O filho dele também se casa com a jovem chinesa para impedir sua deportação. A Saara de Estevão Ciavatta e Regina Casé talvez seja uma utopia – onde as chinesas, retas feito tábuas, adquirem seios e bumbuns de mulatas, e o Natal vira um imenso carnaval. Um sonho de miscigenação. Não por acaso, ali também estão as irmandades negras mais antigas do Rio.

Embora o filme não seja dela, Regina fala com imenso amor de Made in China. Foram mais de dez anos até a estreia de hoje. Ela conversa do próprio set do gravação de Esquenta!, sua atração no domingo da Globo. “Há um tempão estou sem férias e não paro de gravar para criar uma gaveta e poder sair em janeiro. O programa vai ficar no ar o tempo todo, sem interrupção.” O Esquenta! tem a cara da Saara. É um programa de cultura popular, um melting pot que, à força de tanto misturar, trouxe o funk e o pagode para a TV. Num Brasil que antes e depois da eleição tem cultivado a divisão – pobres contra ricos -, Regina, que mora no chic Leblon, não desiste da Saara. Como ela diz, o que o mundo separa, o Esquenta! junta. E, na Saara, então, é junto e misturado. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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