Marcélia Cartaxo não acreditou quando o produtor do novo longa de Cláudio Assis, Big Jato, telefonou para dizer que o diretor a queria no filme. “Eu já tinha trabalhado em Baixio das Bestas, em 2006, mas foi uma participação pequena. Mas, desta vez, seria um papel maior, protagonista ao lado de Matheus Nachtergaele. Disse ao produtor: Você tem certeza que sou eu mesma que ele quer?. Quem não quer trabalhar num filme de Cláudio Assis?”, indaga rindo a atriz e diretora, que participa ainda de outro longa, A História da Eternidade, de Camilo Cavalcante. Definitivamente, é a hora de Marcélia.
Em Big Jato, inspirado no livro do jornalista e escritor cearense Xico Sá, Marcélia faz Maria, casada com o personagem vivido por Nachtergaele (em papel duplo), um motorista de um caminhão-pipa que limpa fossas. “Faço uma vendedora de produtos de beleza, bem chique. Fiquei admirada com o set de filmagens, o Cláudio está mais tranquilo e concentrado”, explica.
Quando Camilo Cavalcante escreveu a personagem Querência, uma das três mulheres que protagonizam seu primeiro longa A História da Eternidade, logo pensou em Marcélia para viver a mulher sofrida que perde a filha e é abandonada pelo marido numa cidadezinha do interior de Pernambuco. “Quando me chamou, Camilo avisou que ela teria poucas falas, transmitia os sentimentos através de expressões e gestos. Ele disse que pensou em mim para compor essa personagem, por isso, a fiz com toda entrega possível”, confessa.
Pelo papel Marcélia e as outras duas atrizes do filme, Zezita Matos e Débora Ingrid, dividiram o prêmio de melhor interpretação feminina no Festival de Paulínia – o filme, que deve ser lançado em janeiro, ganhou ainda como melhor longa, diretor e ator, para Irandhir Santos. E, na Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, foi eleito o melhor, na votação do público. Um reconhecimento que ela não sentia desde sua consagração em A Hora da Estrela, dirigido por Suzana Amaral em 1985, longa que garantiu o prêmio Urso de Prata do Festival de Berlim para Marcélia.
Justo ela que iniciou a carreira como uma brincadeira quando, aos 12 anos, começou a trabalhar no Grupo Terra, em sua cidade natal, Cajazeiras, sertão paraibano. A grande oportunidade apareceu quando seu grupo apresentou a peça Berço de Estrada em São Paulo, no Mambembão, projeto que incentivava o intercâmbio de teatro amador feito no País.
Foram apenas três apresentações no Teatro de Arena Eugênio Kusnet, o suficiente para que a diretora Suzana Amaral selecionasse Marcélia para o papel principal de A Hora da Estrela, filme que pretendia rodar, adaptado do livro de Clarice Lispector. No palco, a diretora viu a cristalização da sua Macabéa, personagem central do livro, jovem alagoana que vai viver com uma tia no Rio de Janeiro.
Conversaram e atriz voltou para a sua cidade, sonhando em virar estrela de cinema. Suzana começou a enviar cartas com descrição de condutas para a atriz.
Marcélia também leu o livro várias vezes, mas o achava complicado. Fez ainda uma camisola de saco de farinha, a mando da diretora, vestuário incorporado depois na composição da personagem. Finalmente, Suzana anunciou o início da filmagem e pediu que Marcélia viajasse sozinha de ônibus a São Paulo, assim como Macabéa. Quando chegou, enfrentou testes com outras atrizes para o papel.
Apresentado no Festival de Brasília, em novembro de 1985, o filme foi colecionando prêmios até chegar à mostra competitiva em Berlim. Lá, mais uma vez o longa encantou a plateia e Marcélia saiu consagrada ao dividir com a francesa Charlotte Valandrey o prêmio de melhor atriz. “Em Berlim, foi um turbilhão de emoções, pois eu tinha sido agredida por um senhor dentro do ônibus a caminho do festival”, lembra. “Era um neurótico de guerra que começou a me bater na cara e me xingar, acreditando que eu fosse judia.”
De volta ao Brasil, a situação mudou. O prêmio não escondia sua inexperiência e, apesar de participar de algumas produções, Marcélia não conseguia viver em São Paulo ou Rio. Em 2002, tomou a difícil decisão de voltar para João Pessoa.
Hoje, aos 52 anos, só carrega um arrependimento. “Cheguei em São Paulo sem muito estudo, deveria ter feito uma faculdade. Hoje, posso fazer filmes em qualquer lugar, morando aqui. A TV também aceita melhor diferenças regionais e sotaques de cada região, o que me ajuda muito.”