Variedades

Consciência negra é tema de mostra e debates

Nada melhor que uma mostra com o sugestivo título de África Hoje para se abrir nesta quinta-feira, 20, em que se comemora o Dia da Consciência Negra. Instituída por uma lei de 2011, a data faz referência a Zumbi, então líder do Quilombo de Palmares e que foi morto por bandeirantes em 20 de novembro de 1695. Zumbi virou símbolo de resistência ao poder colonial, e o que se comemora, como consciência negra, é justamente a luta contra a escravidão e a dominação econômica e ideológica.

Cacá Diegues, o cineasta brasileiro que mais tem abordado a questão da negritude, já fez dois filmes sobre ele – Zumbi dos Palmares e Quilombo. No segundo, a trilha de Gilberto Gil tem uma canção que embala a luta do herói. A felicidade do negro é uma felicidade guerreira. Como meta, o Dia da Consciência Negra visa a evitar a autodepreciação ou preconceito, que inferiorizam o negro na sociedade. Associadas ao tema estão outras questões, como cotas, inserção no mercado de trabalho e a própria ideia de beleza.

Com curadoria da cineasta Luciana Hees, a mostra África Hoje é uma realização de Mariana Marinho. Até dia 3 (de dezembro), vai exibir 17 filmes, entre médias e longas, a maioria inéditos no circuito brasileiro. São obras da África do Sul, França, Madagascar, Moçambique, Angola, Congo, Suíça, Burkina Faso e Tunísia. O evento abre-se com Mandela – Filho da África, Pai de Uma Nação, de Jo Menell e Angus Gibson. O filme será seguido de debate da curadora com o diretor e roteirista Marco Abujamra e o professor em Jornalismo, Informação e Sociedade pela ECA/USP, Dennis de Oliveira.

Mariana Marinho destaca o conceito – “Queremos proporcionar horizontes diferentes daqueles a que estamos acostumados, tanto nos temas abordados quanto na linguagem, pois os filmes apresentam uma naturalidade espantosa, uma falta de pudor, no melhor sentido que a expressão pode significar.” Uma das atrações já conhecidas do público é Lumumba – A Morte do Profeta, que já integrou uma recente programação dedicada ao cineasta haitiano Raoul Peck. Como Nelson Mandela, que liderou a luta contra o apartheid na África do Sul, Patrice Lumumba foi o símbolo da resistência ao colonialismo belga no então Congo. Só que, ao contrário de Mandela, que viveu para governar e unir o país, Lumumba, no quadro das disputas geopolíticas dos anos 1960, foi brutalmente assassinado com a cumplicidade da CIA, para evitar que o Congo Belga virasse uma Cuba africana, exportando sua revolução – seu pan-africanismo – para os países vizinhos.

Há uma tradição oral na cultura africana, que o cinema tratou de recuperar por meio da naturalidade assombrosa a que se refere Mariana Marinho. É uma cultura do corpo, muito física, que privilegia não apenas o canto, mas a dança. Um dos mais belos filmes exibidos em Cannes neste ano foi Timbuktu, do cineasta da Mauritânia Abderrahmane Sissako. Ele se inspirou em fatos ocorridos no vizinho Mali, em 2012. Numa vilarejo ocupado por radicais islâmicos, um casal e seus dois filhos foram condenados à morte por lapidação – apedrejamento – pelo simples fato de viverem juntos sem ser casados. Embora tenha sido um dos melhores filmes da seleção de Cannes – no mesmo plano de Winter Sleep, de Nuri Bilge Céylan, e O Segredo das Águas, de Naomi Kawase -, há a suspeita de que Timbuktu tenha sido descartado da disputa pela Palma de Ouro porque uma das juradas era a atriz iraniana Leila Hatami e ela com certeza teria problemas com os radicais de seu país.

Justamente a condição da mulher é o tema de Jeppe numa Sexta, da África do Sul, realizado por oito diretoras que refletem sobre sua situação, e Foi Melhor Amanhã, de Hinde Boujema, da Tunísia, sobre uma mãe que atravessa os protestos em seu país preocupada em achar um teto para os filhos. Como nem tudo é social, outro belo destaque é o documentário Vou Cantar para Ti, de Jacques Sarasin, sobre o jazzista do Mali Kar-Kar, que faz a conexão da música africana com o blues.

Temas também estão em outros eventos

Embora não necessariamente vinculados ao tema da consciência negra, a estreia de À Queima-Roupa, documentário de Theresa Jessouroun, e o ciclo Cinema da Quebrada, na Galeria Olido, não deixam de abordar exclusão social e violência, e neste sentido contribuem para o debate promovido pelo evento África Hoje. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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