Variedades

Artistas erguem espaço único para cena lírica de SP

Pedro Ometto é um dos principais cantores líricos brasileiros da nova geração, já esteve em palcos como o Municipal de São Paulo e o Teatro São Pedro; André Estevez é tenor, e desenvolve um trabalho de pesquisa na USP sobre a relação entre canto e atuação. No final de tarde da última quinta-feira, 20, os dois, de shorts e camiseta, vassouras na mão, davam os últimos retoques na entrada de uma pequena casa no Alto do Ipiranga. Até pouco tempo, o endereço era ocupado por uma funilaria. Mas, a partir de agora, o número 135 da Rua Belas Artes tem nova vocação: um espaço dedicado à pesquisa e apresentação de óperas.

O Espaço Núcleo será inaugurado neste sábado, 29, com a apresentação do espetáculo O Burguês Nobre. O pequeno prédio, de dois andares, ocupa uma área de 200 metros quadrados; conta com uma sala de espetáculos para 100 pessoas e, no subsolo, um espaço para ensaios. Pelas proporções, ou pela simplicidade da construção, sem grandes adornos, não lembra em nada um teatro de ópera convencional – mas aposta justamente em um novo tipo de proposta, de experimentação, para marcar presença na cena cultural.

As obras começaram em 2012, mas a história do Espaço Núcleo, na verdade, remonta há cerca de uma década. Foi quando surgiu o Núcleo Universitário de Ópera, companhia idealizada pelo maestro Paulo Maron com o objetivo, naquele instante, de oferecer oportunidades de trabalho a artistas em formação: cantores, músicos, cenógrafos, iluminadores. A primeira casa foi o Teatro São Pedro, com o qual estabeleceram um pacto: podiam usar o palco para ensaios e, em troca, produziriam duas óperas por ano, sem custos para o governo estadual.

A parceria durou seis anos, até que o teatro passou a ter uma companhia residente própria. "Pode parecer estranho, mas perder o São Pedro, de certa forma, foi um sinal importante para nós. Afinal, foi ali que nos demos conta de que, até mesmo pelas investigações estéticas que estávamos nos propondo, era hora de deixar o palco tradicional e buscar algo alternativo", conta Maron. Nos anos anteriores, ele e a mulher, Márcia Velardi, professora da pós-graduação em Artes Cênicas da USP, haviam começado um trabalho de pesquisa que, baseado em importantes teóricos como Jerzy Grotowski, Moshé Feldenkrais e Rudolf Laban, investigava uma nova proposta cênica para a ópera. "Aos poucos, ficou claro o caráter experimental do que fazíamos."
Ao longo de sua trajetória, o NUO apresentou produções de vinte óperas, treze delas inéditas no Brasil. Tornou-se célebre pelas montagens de operetas de Gilbert e Sullivan mas, nos últimos anos, abriu-se em direção a novo repertório. Primeiro, recorreu a obras do século 20, como Prometeus, de Fauré, Moscou, Tcheryomushki, de Shostakovich, ou A Lua, de Carl Orff. Em seguida, foi em direção à música barroca. "Essa busca foi guiada pela escolha de obras que tornassem possível justamente o trabalho de experimentação cênica, entendendo a ópera como teatro e o cantor como um ator que também canta", explica Maron.
O NUO se apresentou em outros teatros da cidade. Sempre sem patrocínio, dependia da bilheteria para cobrir os gastos com produção – entre eles, o aluguel dos espaços para ensaio e apresentação. "Quase tudo o que arrecadávamos ia para pagar esses aluguéis. Até que resolvemos correr o risco e ir atrás de um espaço próprio", conta Maron. Isso foi em 2009. Ele e Marília venderam um imóvel e, com o dinheiro, compraram o terreno no Ipiranga. Dois anos depois, venderam a própria casa: com uma parte do dinheiro, compraram uma chácara nos arredores de São Paulo e, com outra, iniciaram as obras.

No ano passado, o dinheiro acabou. "Faltava muito pouco para terminarmos e então o Pedro (Ometto), que está desde o início conosco, sugeriu que criássemos uma campanha no Catarse para arrecadar os R$ 30 mil que faltavam. E o resultado surpreendeu: em três meses, conseguimos R$ 37 mil, que nos foram dados por 300 pessoas", diz Maron, que batizou o local de Sala Marcos Ometto, em homenagem ao pai de Pedro, um dos principais parceiros na construção. "Estamos endividados até não poder mais", diz. "Mas pensamos: as pessoas se endividam para comprar um carro, uma casa, por que não para construir um teatro?". A esperança é, com a economia que a nova sede vai propiciar (e o aluguel do espaço para outros projetos), recuperar o investimento.

Na quinta, quando o jornal O Estado de S. Paulo visitou o Espaço, o grupo se preparava para um recital, oferecido como contrapartida àqueles que investiram no projeto. Aos poucos, os artistas envolvidos chegavam. Wesley Fernandez, de 31 anos, é bailarino, coreógrafo, estudou Educação Física e Saúde na USP Leste. E conta que encontrou no núcleo respostas para "inquietações teóricas" a respeito do papel do corpo no processo de criação de um espetáculo. Gabrielle Agura é soprano, tem 26 anos. "O que me atraiu no grupo foi a chance de trabalhar o corpo e lidar com o repertório de uma maneira diferente, mais livre." André mal podia conter seu entusiasmo. "Esse espaço é a nossa cara". E Pedro, após correr para casa tomar um banho e buscar o piano para a apresentação, parecia incrédulo. "Não caiu a ficha ainda de que isso aqui está pronto."

"Há um senso de grupo muito especial. É o que nos permite ousar em nossos espetáculos. Todos estão aqui porque querem estar", diz Maron. E Marília, ao seu lado, olha para o futuro. "Esse não é um ponto de chegada. Há um enorme leque de possibilidades artísticas e estéticas que está se abrindo agora."

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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