Diretor mostra Ato, Atalho e Ventona Holanda, em busca de parceiros
Autor de um cinema de montagem, Marcelo Masagão é um diretor que desafia classificações. Nós Que Aqui Estamos por Vós Esperamos, Nem Gravata nem Honra, 1,99 – Um Supermercado Que Vende Palavras e Otávio e as Letras, principalmente os dois primeiros, possuem elementos de documentário, mas são ensaísticos. O último chegou às salas há sete anos. Desde então, Masagão admite seu desapontamento com o mercado. Otávio e as Letras, de 2007, já ficara além da expectativa do diretor. Desconcertadas, as pessoas saíam das salas em plena sessão. Simplesmente não entravam, no clima nem entendiam o que Masagão propunha. “Não era só um problema do filme. Em 1999, Nós Que Aqui Estamos, um filme pequeno, sem maiores atrativos de mercado, ficou meses em cartaz e teve 70 mil espectadores. Hoje ficaria em horários alternativos e não faria míseros 10% disso.”
Esse desapontamento com o mercado – esse mal-estar – já dura algum tempo. Masagão não queria desistir do seu cinema, mas também não queria passar por todo o processo. Um filme toma anos de vida. Morrer na praia, como foi com Otávio e as Letras, não é nem um pouco gratificante. Mas ele está de volta.
Ainda não ao circuito brasileiro, mas ao cinema. Seu novo filme, com o título
de Ato, Atalho e Vento, foi exibido, como work in progress, no Festival de Roma e na sexta teve direito a apresentação no IDFA, de Amsterdã, o maior festival de documentários do mundo. Masagão foi selecionado para uma seção chamada Masters/Mestres. Exibiu seu filme e agora participa da programação como um todo. Busca parceiros internacionais. “É bom dar visibilidade ao filme no Brasil porque o fim do ano está chegando, é a hora em que as empresas anunciam seus investimentos em cultura por meio da isenção fiscal. Não estou passando o pires, mas necessito de recursos”, revela o diretor.
Orçado em R$ 1,2 milhão, Ato, Atalho e Vento só levantou até agora um terço disso. Há dois anos Masagão trabalha no projeto. Ele estava, como diz, apático.
Pior – prostrado. E aí teve uma epifania. Foi vendo, revendo, Baraka, de Ron Fricke. Para a maioria da crítica, o documentário experimental de 1992 é um filho bastardo de Koyaanisqatsi, de Godfrey Reggio, do qual Fricke foi o cinegrafista. Filmado em 70 mm, em cores e em 23 países, Baraka prescinde de diálogos. Recolhe imagens – de cidades, paisagens, cerimônias religiosas, atividades cotidianas – e as une com música, de forma a criar uma atmosfera. Ou expressar na tela a grande pulsão da humanidade pela vida.
Ao ver Baraka há alguns anos, Masagão ficou hipnotizado por duas cenas. No Nepal, um monge realiza grande esforço para puxar uma pesada haste horizontal que solta e – lançada contra um sino ancestral – produz um som que fica reverberando na tela (e no inconsciente do espectador). O som, inclusive, invade a outra cena, que mostra, na África, um dançarino tribal que participa de uma cerimônia coletiva e se lança num movimento para cima, como se fosse um foguete. Um movimento vertical e outro horizontal. Masagão estudou psicologia antes de virar cineasta. Imediatamente, ele percebeu que havia algo naquele choque visual. Horizontal, vertical. Harmonia, equilíbrio e ruptura. No movimento horizontal havia como que uma penetração. No vertical, a representação da ereção. O som – do sino – não seria o gozo?
Pode parecer muito subjetivo, mas naquele choque entre duas imagens, Masagão, retornando à dialética da teoria da montagem de Eisenstein, viu um terceiro significado. A própria vida. Veio-lhe uma ideia, e ele começou a ver e rever filmes. Não saberia dizer exatamente o que buscava – a transcendência -, mas leitor voraz de Sigmund Freud, pediu a amigos que o acompanhassem na sua viagem. Conseguiu apoio de uma editora e distribuiu 100 exemplares do Mal-estar da Civilização, de Freud, para que esses amigos o ajudassem a criar o roteiro. E brinca – seu filme é uma livre adaptação do Mal-estar. Uma viagem pelo cinema – pelos filmes, e por fotos -, que Masagão organiza às vezes por blocos temáticos, mas nem sempre.
Ele explica – “O computador facilitou muito a vida do pesquisador. Eu via os filmes, anotava cenas que me interessavam. Descrevia-as de forma precisa e, com isso, estabelecia palavras-chave que, ao serem puxadas, já criavam blocos de filmes, ou pelo menos de imagens.” Entre os autores que ele (re)visita estão Federico Fellini, Ingmar Bergman, Wim Wenders, Eisenstein. Cenas de E la Nave Va e Amarcord – o tiozinho louco que grita “Voglio una donna” -, de Persona/Quando Duas Mulheres Pecam e de Pina, entre mais de uma centena de filmes citados nos créditos finais. Em trabalhos anteriores, Masagão já mostrou que se pode fazer obra autoral com imagens captadas por outro, uma lição que o russo Dziga-Vertov, outro teórico da montagem, já provara ser viável nos primórdios da revolução, há quase uma centena de anos.
Um filme desses, de colagem, coloca imediatamente um problema – de onde tirar dinheiro para pagar copyright, o direito de autor de todas essas cenas que já fazem parte do imaginário universal? “Não é tão caro nem tão complicado como parece. Contactamos um escritório na Alemanha especializado nesse tipo de operação. É caro, mas não absurdo, algo em torno de 400 mil.” E existem os casos especiais. “As imagens de Bergman são um bom exemplo. Como ele morreu, o assunto tem de ser discutido com herdeiros, e eles não têm a mesma compreensão que um artista tem pela obra de outro.” O caso de Wim Wenders teve um inesperado efeito amigável. “Mostrei meu filme em Roma, ele apresentava o dele sobre Sebastião Salgado. Nos encontramos na coxia e ele foi sensível ao meu pedido.” Quem agradece somos nós, o público. O Novo Masagão é cinema ensaístico de alto nível. Ato, Atalho e Vento já é promessa antecipada de grandes filmes para 2015.