“Rio de Janeiro: bela e importante província do Brasil, respeito a sua população atual, comércio, indústria e sítios aprazíveis, e por vezes pitorescos e majestosos.” O verbete é um dos mais alentados dos quatro mil listados no Dicionário Geográfico Histórico e Descritivo do Império do Brasil, lançado em 1845 e agora reeditado. A população à época era dividida assim: “brasileiros por nascimento ou adoção” somavam 60 mil; “estrangeiros de diversas nações”, 25 mil; “escravos de toda cor e sexo”, 85 mil; num total de “170 mil almas”.
O autor, J.C.R. Milliet de Saint-Adolphe, era um militar francês que chegou ao Brasil em 1816, mesma época da missão artística que trouxe no grupo pintores como Debret e Taunay. Seus dados pessoais são desconhecidos, mas o historiador e professor da UFMG, Renato Pinto Venâncio, acredita que ele tenha nascido junto com a Revolução Francesa, em 1789.
Parte do exército napoleônico, Saint-Adolphe teria aportado no Brasil por causa da perseguição política pós-1815, quando o imperador foi derrotado. Veio com o filho, Auguste, e se manteve como tipógrafo. Foram 26 anos no Brasil até voltar, em 1842, à França com seu calhamaço para publicá-lo (a tradução para o português foi feita por Caetano Lopes de Moura).
O dicionário, única publicação relevante de sua vida, virou obra referencial para os pesquisadores que lhe sucederiam. “Ele é um personagem muito interessante e pouco conhecido. Um homem ligado às tradições intelectuais iluministas que decide fazer uma enciclopédia, uma obra de síntese”, conta Venâncio.
Pesquisador inquieto, Saint-Adolphe viajou muito pelo país e buscou em acervos religiosos, militares e públicos informações sobre a história das províncias, vilas e aldeias desde o século 16, sua população, recursos naturais, escolas, comércio e atividades econômicas.
O texto original foi preservado – a ortografia foi corrigida sob as normas atuais, para facilitar a compreensão – e foram acrescidos dados atualizados, baseados em informações do IBGE. Uma curiosidade são as localidades que não existem mais.
“A historiografia brasileira trata muito do segundo reinado (1831-1840) e Saint-Adolphe traz um retrato do Império das primeiras décadas do século 19, época em que ainda estávamos em formação, e na qual os contornos geográficos eram imprecisos”, afirma a historiadora Maria do Carmo Andrade Gomes, da Fundação João Pinheiro, que trabalhou na reedição.
A iniciativa foi da fundação mineira e do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Maria do Carmo acredita que a obra servirá a pesquisadores de vários campos, uma vez que os relatos são bastante completos, mas, em algumas vezes, impregnados da subjetividade do autor.
Em 1845, o Brasil tinha 18 províncias. No Rio, capital do Império, o autor se estendeu por 18 páginas; na Bahia, “descoberta em 1500 por Pedro Álvares Cabral, que, navegando para a Índia, foi obrigado por um temporal a abrigar-se na baía de Porto Seguro”, por 12; Minas Gerais, “província mais populosa, e de maior extensão”, mereceu 9; São Paulo, “rica e grande província marítima”, ganhou 9 também. No verbete dedicado aos índios, ele elencou tribos e nações indígenas de cada região, dos abadás do Mato Grosso aos xumetos do Rio de Janeiro. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.