O templo da música de câmara no Rio. A melhor casa do País em seu nicho. Superior ao nova-iorquino Carnegie Hall, tão boa quanto o Wigmore Hall, de Londres. Depois de quatro anos e meio de obras que aprimoraram sua acústica, acessibilidade e aparência e fortaleceram estruturalmente sua construção centenária, a Sala Cecília Meireles está voltando à cena com grandes ambições.
As comparações com as casas estrangeiras são do diretor, o compositor João Guilherme Ripper, no cargo há dez anos. A reforma seria, a princípio, superficial: uma guaribada no desajeitado foyer, a subida dos banheiros, então subterrâneos e de difícil acesso. Não levaria mais do que oito meses e custaria cerca de R$ 12 milhões. Mas logo se constatou que seriam necessárias intervenções drásticas. O investimento acabou em R$ 47,5 milhões.
“A gente viu que a situação era problemática. Tinha rachaduras em vigas e colunas e todas foram revistas. Demolimos várias lajes e refizemos. Os alizares estavam sendo devorados por cupins. Se não entrasse em obras, em dois ou três anos teríamos que fechar as portas porque as coisas ficariam inviáveis”, Ripper imagina.
A sala foi repaginada, o foyer, ampliado, o mezanino ganhou um charmoso café e um espaço para pequenos shows. “Era um lugar com potencial enorme, mas mal aproveitado. As pessoas não se sentiam confortáveis aqui”.
O quebra-quebra começou em maio de 2010. Para que o Rio não ficasse órfão de espaços para a música erudita, a data foi pensada para coincidir com a abertura do Teatro Municipal, ligado ao Estado, como a sala. Principal palco de ópera, concertos e balés da cidade, considerado o mais prestigioso do Brasil, o teatro, de 1909, passara dois anos também em obras detalhadas.
Ainda que não tenha parado simultaneamente, o mundo da música clássica se ressentiu da limitação de espaços. A situação só viria a melhorar em 2013, com a inauguração da Cidade das Artes, passados dez anos do início de sua construção – muito elogiada por suas salas, mas distante 30 quilômetros do circuito tradicional do centro.
Agora, às vésperas dos 50 anos da Cecília Meireles (em 2015), músicos e público esperam uma programação que dê conta de suas expectativas. “Tocar na Cecília Meireles é como estar em casa, me apresento naquele palco desde menina. Quero muito experimentar a sala, porque ela sempre foi conhecida por sua acústica maravilhosa”, diz a pianista Cristina Ortiz, radicada em Londres há 42 anos. Ela tem recital marcado para sábado, no qual tocará Schubert, Brahms e Bowen.
Habituada ao organizado calendário europeu, Cristina está apreensiva com a mudança nas datas da apresentação, motivada pelos acertos da fase de soft opening da sala, e a dificuldade para se comprar ingressos – a bilheteria está sendo instalada, e as vendas pela internet não começaram. A pianista chegou a fazer um apelo a amigos e familiares no Facebook para que eles enchessem a plateia.
Segundo Ripper, o período de testes, iniciado há duas semanas com o Concurso Internacional BNDES de Piano, mostrou que o novo desenho acústico – assinado pela mesma empresa que interveio no Municipal – foi um acerto.
“A acústica sempre foi boa, mas agora o tempo de reverberação ficou mais longo, o som está mais envolvente e agradável”, explicou. O piso de carpete deu lugar à madeira, o que também impactou a propagação do som. As paredes em madeira da sala foram trabalhadas pelo artista plástico Angelo Venosa. O concerto oficial da reabertura, reservado a convidados, é hoje à noite.
O prédio da Lapa foi construído em 1896 para ser um dos primeiros hotéis de luxo do Rio, onde ficavam figuras eminentes da então recém proclamada República. Em 1939, no auge da efervescência cultural da Cinelândia, virou o Cine Colonial. Em 1965, quando a cidade se adaptava à perda da condição de capital do Brasil, a construção foi vertida em sala de concertos.
O tom areia original da fachada substituiu o rosa de gosto duvidoso. Uma janela panorâmica foi aberta com vista para o Passeio Público. Do lado de fora, admira-se o lustre imponente instalado estrategicamente para capturar a atenção de quem passa apressado.
O mobiliário das áreas de convivência, antes envelhecido e pouco atraente, agora é moderno e convidativo. Os 800 lugares na sala passaram a ser 680, por conta dos espaços para cadeirantes.
“Eu ficava incomodado com o aspecto de bunker da sala. Tenho certeza de que muita gente passava na rua sem saber o que acontecia aqui dentro”, conta o diretor, que programou agenda até 22 de dezembro.
Em 2015, virão óperas de câmara, sobretudo brasileiras, de autores do século 19 pouco executados aos contemporâneos, e shows de jazz.