Variedades

Temporada recheada tem projeto que cultiva o gosto pela ópera

Com a temporada mais recheada, a Osesp brilhou como nunca em três concertos: o primeiro, Candide, de Bernstein, com sua titular Marin Alsop. Os dois restantes com convidados: o polonês Stanislaw Skrowaczewski regeu uma quarta de Bruckner de arrepiar, Akiko Suwanai foi excepcional no concerto de violino de Alban Berg; e Richard Armstrong fez uma extraordinária Danação de Fausto, de Berlioz. O toque brasileiro ficou a cargo do violinista Luiz Fílip, esplêndido no concerto de Shostakovich. Entre os recitais, os dois memoráveis foram os de Jeremy Denk (as Goldberg mais a Concord de Ives) e Jean-Efflam Bavouzet (Beethoven e Bartok selvagens, o Ravel dos Miroirs parrudo).

As sociedades de concertos dividiram, com primazia para a Cultura Artística, os grandes espetáculos da temporada. Pela SCA: a dobradinha Mitsuko Uchida/Mariss Jansons com a Orquestra da Bavária; a violoncelista Sol Gabetta/Giovanni Antonini e Orquestra de Câmara da Basileia; e a maravilhosa noitada Vivaldi com o contratenor Philippe Jaroussky e seu Ensemble Artaserse. Pelo Mozarteum: Natalie Dessay e Laurent Naouri, Philharmonia com Ashkezany (um belo Imperador com Nelson Freire e uma Quinta de Sibelius incandescente).

Por causa do 70 anos do nosso maior pianista, Nelson Freire, ele tocou bastante no Brasil e houve vários lançamentos. Destaque para o Concerto Imperador com a Gewandhaus e Chailly e box de 3 CDs Radio Days (Decca), resgatando performances com orquestra dos anos 1970, incluindo um raro segundo de Liszt com Eleazar de Carvalho. Palmas para a vida musical contemporânea, que pulsou como nunca este ano. No Centro Cultural São Paulo, estreou mundialmente em abril, com o grupo Hespérides, o oratório digital A Geladeira, em que Paulo Chagas retrata a tortura pela qual passou aos 17 anos, na década de 1970; em outubro, estreou O Farfalhar das Folhas, peça de Flo Menezes, em concerto da 10.ª Bienal de Música Eletroacústica de SP, evento que prima pela qualidade.

Sangue novo na(s) música(s) nova(s), com o Festival Música Estranha no CCSP com curadoria de Thiago Cury e o primeiro número impresso da revista Linda do NME – Nova Música Eletroacústica (http://linda.nmelindo.com/), movimento liderado por um grupo de compositores jovens, entre 25 e 30 anos.

Além disso, dezenas de CDs de música nova viabilizaram-se graças ao Proac, vitrine da música nova. Um dos melhores e mais recentes é “3+2/SP” em que o trio piano-violino-cello Epifania, de Felipe Scagliusi, Simona Cavuoto e Alberto Kanji, faz cinco primeiras gravações mundiais de peças de Rodrigo Lima, Maurício de Bonis, Rodolfo Valente, Marcus Siqueira e Thiago Cury.

Porém, o mais surpreendente diferencial de 2014, em termos de música brasileira, é um novo olhar para um passado que até agora era patinho feio: o romantismo, a música do século 19. Três ótimos lançamentos de fim de ano: o livro Formação Germânica de Alberto Nepomuceno, de João Vidal (Ed. Escola de Música da UFRJ), traz pesquisa de primeira mão sobre o compositor cearense e modifica o modo como hoje se pensa a música brasileira pré-Villa-Lobos. Dois CDs atestam a robustez da produção musical brasileira do período.

Primeiro, o CD Delírio, em que o violinista Emmanuele Baldini e a pianista Karin Fernandes tocam sonata de Leopoldo Miguez e duas, espetaculares, de Glauco Velásquez. E também no CD do português Artur Pizarro, responsável pela primeira gravação mundial do concerto para piano de Henrique Oswald, 128 anos depois de sua composição, ao lado da Orquestra da BBC de Gales, regida por Martyn Brabbins (selo Hyperion). Por último, o Festival de Música de Câmara do Sesc, com 44 concertos espalhados pelo Estado de São Paulo, colocou o gênero em mídias nunca dantes imaginadas. E pode mostrar que o caminho das pedras é por aí. Mais do que nicho, nele pode estar o futuro de uma vida musical mais capilarizada pelo País.

Posso ajudar?