Variedades

Balé da Cidade de São Paulo reafirma a linguagem

O elenco do Balé da Cidade de São Paulo encerra o ano em forma. As duas produções que dançou na sua quarta e última temporada de 2014 se ajustam aos hábitos que o seu repertório tem consolidado, e que popularizam um certo tipo de entendimento de dança contemporânea. Ambas pertencem a uma linhagem dos que se dedicam a encadear frases formadas por movimentos que aparentemente des/re-organizam o balé porque não repetem seus passos tal e qual.

Reunindo Antiche Danze (Mauro Bigonzetti/Respighi) e Cacti (Alexander Ekman/Schubert, Haydn, Beethoven), o espetáculo explicita bem esse modo de fazer dança, que se alastrou tanto, a ponto de hoje haver se tornado um traço distintivo a unir companhias pelo mundo afora. Preocupadas com a aceitação do público, não abrem mão de efeitos, sejam eles dedicados a causar impacto com golpes virtuosísticos de coreografia, de iluminação, no uso do cenário ou de objetos.

Cacti estreou no Nederlands DansTheater 2 com enorme sucesso, em fevereiro de 2010; já foi montada na Austrália e na Alemanha, e ganhou 3 prêmios. O sueco Ekman, que nasceu em 1984, vem amealhando rápida projeção internacional, consolidando um tipo de carreira na qual o italiano Mauro Bigonzetti, 54, transita com habilidade desde 1990, quando começou a coreografar. Atualmente, tem obras no repertório de companhias como o New York City Ballet, Les Grands
Ballets Canadiens, Stuttgart Ballet e English National Ballet.

Pela variedade das companhias que se interessam pelo trabalho de ambos é possível comprovar que a aceitação de obras programadas para agradar atravessa culturas e países distintos. A dança feita para entreter, que se nutre de tiques que refletem humor rasteiro e ironia sem ambiguidade, cauteriza e coagula a associação entre dança e inquietação/reflexão. São imagens em sucessão, feitas para se encadearem com uma mesma lógica de composição – que se sobrepõe, surda para a diferença entre os vocabulários usados, tratados como inquilinos provisórios.

A relação com a música praticada por Bigonzetti e Ekman nestas duas peças cochicha os tédios que repetem sempre, qual sentinelas da mesmice, o mantra de colocar movimentos em função do pulso ou do ritmo. Os dois coreógrafos vão distribuindo os passos como se não houvesse distinção entre o que se ouve em uma e na outra obra. O encadear de pequenos solos, duos, trios e conjuntos, e as maneiras embalsamadas de entrar e sair de cena, também se ecoam. A imaginação parece átona.

Apesar disso, dançar com a Orquestra Experimental de Repertório, regida por Carlos Eduardo Moreno, e com o quarteto de cordas composto por Cláudio Micheletti, Ana Carolina Rebouças, Estela e Julio Cerezo Ortiz amontoa bons estímulos, mesmo quando, como nesse caso, os autores da dança insistem em fazer dela somente uma sósia da música. Tomara que esta se mantenha como uma prática regular, pois enriquece artisticamente todos os que estão nela envolvidos.
Neste tipo de programa, no qual a adesão da plateia está garantida, o Balé da Cidade de São Paulo esbanjou vigor. Dançou com competência e despediu-se de 2014 em sintonia com essa dança contemporânea sem reminiscência de complexidade. Nos dois exemplos que nos mostrou, tudo se encaixa em um rodízio que parece inesgotável em previsibilidade. E assim, constrói a sua possibilidade de voltar a circular internacionalmente. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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