Quando Ariano Suassuna percebeu que andava sendo fotografado pelo genro Alexandre Nóbrega, seu assessor por 14 anos, ele logo perguntou se as fotos eram para a Playboy. Ele não se achava fotogênico e dizia que não havia motivo para que Alexandre insistisse nas fotos. Era uma brincadeira e elas foram parar no livro O Decifrador. Parte dessas imagens – são milhares, diz o fotógrafo – foram expostas em Brasília, Fortaleza, no Recife, Rio, em Curitiba e Salvador como parte do projeto Ariano Suassuna – A Arte Como Missão – que chega agora a São Paulo mais triste.
Em cada uma das cidades por onde a mostra passou, Ariano estava lá com sua força e alegria, suas histórias tocantes e engraçadas, e suas ideias. É que o projeto previu, além da exposição de fotografias que será aberta neste sábado, 17, na Caixa Cultural, e de um ciclo de filmes que começa no dia 30, a realização da famosa aula-espetáculo. Mas Ariano morreu em julho, aos 87 anos.
Para a edição paulista, os organizadores escalaram o pernambucano Antonio Nóbrega – profundamente influenciado pelo mestre que conheceu ainda jovem, no Recife, quando o Quinteto Armorial precisava de um violinista. “Foi mais do que um convite para ocupar o lugar de um instrumentista. Eu pude acessar um mundo cultural que me era desconhecido”, conta o artista. O encontro teve um papel fundamental na vida dele. “A partir daí, ao longo dos anos, fui me entendendo, estudando, assimilando os cantos e as danças que vieram a ser todo o alicerce do meu trabalho. Reafirmarei isso neste sábado”, completa. Ele, no entanto, não estará no Theatro Municipal a partir das 20 horas para apresentar a aula-espetáculo de Suassuna ou uma versão dela. Nóbrega prefere chamar o encontro de Recital para Ariano. Na programação, músicas relacionadas direta ou indiretamente com o universo do escritor. São poemas de Ariano musicados por Nóbrega ou textos escritos especialmente para que virassem música do discípulo. E outras criações de Nóbrega com as conversas que tiveram ao longo dos anos.
“Musicalmente, o recital vai fazer essa paisagem. Será uma espécie de recital sentimental, porque ele me traz a lembrança desses encontros. Aqui e acolá, vou fazer algum comentário sobre aspectos da vida e da obra de Ariano, sobre o movimento armorial, o papel do sertão e características de sua obra”, adianta.
Serão cerca de 15 canções e Nóbrega planeja declamar dois sonetos de Ariano e se aprofundar nos romances do autor, que o músico chama de “histórias narradas e cantadas em versos”. “São canções que me seduzem muito e ninguém está acostumado a escutar romance. Será uma oportunidade de conhecer ou reconhecer esse universo”, ressalta.
E entre as histórias que pretende contar, a da relação de Ariano com o pai, morto quando ele tinha 3 anos. “Ele viveu sempre a nostalgia do pai – em sua vida e na obra”, diz.
O escritor e o músico se encontraram pela última vez em fevereiro. “Ele dizia tanto que era imorrível que a gente até acreditava, e, às vezes, me pergunto se ele morreu mesmo.” Nóbrega fala que sua presença era incandescente e que o autor deixou não apenas obras editadas e inéditas, mas também ideias a serem aprofundadas. “Não é o mundo que se extingue com Ariano, mas o mundo que a gente pode aprofundar, visitar, entender em sua amplitude e amplificá-lo, sobretudo. Eu me coloco muito nesse papel de cavucar um pouco as ideias de Ariano. O que ele queria dizer com o encontro da arte popular com a erudita? O que queria dizer com espírito mágico da literatura popular? Isso tudo é uma espécie de livro aberto sobre o qual me debruço, penso, reflito e escrevo, até.”
Mostra
Em cartaz até 22/2, a exposição terá cerca de 30 fotos tiradas por Alexandre Nóbrega durante cinco anos. Ele não é fotógrafo profissional, mas era o fotógrafo oficial do sogro. “Tentei mostrar as várias facetas de Ariano: no aeroporto, em casa, na aula-espetáculo, na intimidade. Quem não o conheceu terá uma ideia de sua personalidade”, conclui. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.