O filósofo francês Henry Bergson (1859-1941) afirmava que “não há realidade, não há percepção que não esteja impregnada de lembranças”. E é exatamente esta a sensação que temos ao percorrer as 110 imagens, realizadas por 36 fotógrafos, divididas em dois andares do Itaú Cultural.
A exposição A Arte da Lembrança – A Saudade na Fotografia Brasileira, com curadoria de Diógenes Moura e pesquisa de Samuel de Jesus, navega por 80 anos de produção fotográfica brasileira. O percurso iconográfico se situa entre a década de 1930 e 2014, com imagens de representativos fotógrafos brasileiros e estrangeiros residentes no Brasil. Imagens antropológicas, jornalísticas, narrativas autobiográficas que se mesclam entre um olhar do passado e uma visão mais contemporânea. O tempo da memória é resgatado pelas imagens.
A saudade é a linha que conduz o pensamento. Não podemos dizer que se trata de uma coletiva de fotógrafos que pesquisaram o tema, mas de uma leitura poética particular, como se fosse uma narrativa única, um poema do próprio curador, que há dez anos se interessa pelo tema e no último ano e meio fez extensas pesquisas em vários arquivos fotográficos pelo Brasil todo: “Silenciosamente, venho pesquisando e juntando imagens sobre esta temática. É a saudade do gesto, do tempo do olhar de uma época, da paisagem destruída pelo homem, das demolições e da morte física também”, explica o curador, “Desta forma, a organização do percurso da mostra não se prendeu a uma ordem cronológica, mas, sim, sensorial, agrupando as imagens dentro de grandes temáticas tais como: diante do limiar, devaneio no flâneur, fantasmagoria, levar o véu, a poética da dormência, árida como a morte.
Imagens dos anos 1930, dos antigos lambe-lambes que ocupavam as praças brasileiras, dos rostos anônimos surpreendidos pelos fotógrafos voyeurs, de uma estética em que o glamour está na própria fotografia, na construção da poética de uma época. Imagens delicadas de sonhos não realizados, de momentos sonhados que se completam pela estética fugidia e fluída da modernidade e da contemporaneidade. Saudade que não pode ser confundida com melancolia, mas com lembranças que se mesclam à nossa memória: “A saudade induz, também, a um pensamento singular, que opera uma síntese temporal e especial da experiência vivida pelo homem em relação ao mundo”, escreve, no texto de apresentação, Diógenes Moura. Afinidades eletivas que juntam períodos diferentes, estéticas diversas, mas sentimentos comuns. Ruas, personagens, situações biográficas que, a cada momento, nos lembram experiências vividas, aventuras afetivas: “Diante dos olhos, você encontra algo que se perdeu”, comenta ele, e continua: “Algo de nós está ali, contido na mancha fotográfica: um destino, um desejo, uma perda, uma palavra”.
Cenários e situações que, de alguma forma, nos pedem silêncio, contemplação, um tempo do qual já não dispomos, mas que se faz necessário. Nos retratos da vida e da morte, a busca da essência do ser humano, das raízes, das nossas histórias. Instantes efêmeros que são perpetuados pela fotografia, como afirma o historiador Boris Kossoy: “A realidade está nas imagens, não no mundo concreto, pois este é efêmero e aquela, perpétua”. Rastros do imaginário que tanto se percebem nas fotografias de lugares vividos como nos cenários de locais abandonados.
Se o escritor francês de Em Busca do Tempo Perdido, Marcel Proust, teve na Madeleine o gatilho para relembrar suas histórias, Moura teve a fotografia para escrever esta história: “É uma leitura particular, a exposição sou eu como escritor e poeta”. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.