Viviane Abrahão deu um tempo na música para cuidar das crianças. Mãe de três meninos, teve de trabalhar duro para que eles tivessem um futuro distante dos altos índices de violência do bairro do Jaçanã, na zona norte de São Paulo. Só em 2014, foram, em média, 5 roubos por dia na região, segundo dados da Secretaria Estadual da Segurança Pública (SSP). Hoje, aos 46 anos e com os filhos já criados, Vivi, como gosta de ser chamada, voltou a fazer o que melhor sabe: cantar.
Nascida e criada no Jaçanã, ouviu falar sobre um estúdio que gravava músicas de artistas independentes de forma totalmente gratuita. “Conheci o projeto por intermédio de um mapeamento de músicos na capital paulista. Não tinha dinheiro para gravar em um lugar profissional. As sessões costumam ser muito caras. Foi a única forma que encontrei de voltar a cantar”, afirma a vocalista do grupo O Canto da Mulher Negra.
Vivi, que está finalizando a música Samba do Vento no estúdio do bairro, também já gravou a canção Negro Sim no mesmo local. O objetivo é produzir um CD com, no mínimo, 13 faixas para divulgar seu trabalho. Segundo ela, o resultado ficou muito parecido com o de um estúdio profissional. “A estrutura daqui é ótima, tanto os equipamentos quanto os técnicos de áudio. Já gravei em vários lugares, mas nunca conheci nada parecido. Não há do que reclamar. Trata-se de uma excelente oportunidade para a população mais carente. Olhe para essa favela e imagine quantos talentos estão ali perdidos”, complementa.
Idealizados pela Secretaria da Cultura do Estado de São Paulo e montados dentro das chamadas Fábricas de Cultura, os estúdios oferecem todo o suporte para que o artista grave seu material e saia com pelo menos uma faixa nas mãos. Além do Jaçanã, os bairros Vila Nova Cachoeirinha, Brasilândia, Jardim São Luís e Capão Redondo já têm seus estúdios instalados e abertos gratuitamente para qualquer um que queira gravar. As cinco unidades são administradas pela Poiesis – Instituto de Apoio à Cultura, à Língua e à Literatura. Há ainda outros cinco estúdios na zona leste (Cidade Tiradentes, Itaim Paulista, Parque Belém, Sapopemba e Vila Curuçá). Esses, no entanto, são administrados pela Catavento Cultural.
Segundo um dos gestores do Programa Fábrica de Cultura, Kluk Neto, o objetivo do projeto é valorizar a produção cultural de regiões periféricas da capital paulista, além de dar a artistas carentes a oportunidade de gravar e divulgar seu trabalho. “Mais de 50 faixas já foram produzidas nesses cinco estúdios inaugurados em fevereiro deste ano. O do Capão Redondo, por exemplo, tem agenda fechada até junho. Levamos coisas de primeira linha para a periferia. Não havia um serviço musical gratuito tão bom assim nos locais mais afastados da cidade. Vale lembrar que não queremos ser uma produtora ou uma gravadora de artistas, mas uma fomentadora de novos talentos”, informa Kluk.
Ainda de acordo com o gestor, o perfil do músico que procura por um dos cinco estúdios é o do jovem baixa renda, da própria comunidade e que não tem condições de contratar um local particular. “Geralmente, esta pessoa gosta de música, mas tem pouca vivência de estúdio. Por isso, nosso objetivo também é potencializar a produção artística dessas regiões.”
Estilos heterogêneos
A reportagem do jornal O Estado de S.Paulo visitou três estúdios da zona norte: Jaçanã, Vila Nova Cachoeirinha e Brasilândia. Cada um deles conta com uma equipe de dois técnicos de som que ficam à disposição daqueles que chegam para gravar. Assim como acontece nos estúdios profissionais, os músicos precisam levar os próprios instrumentos. “Vale lembrar que não é uma prática de produção, mas de registro. Não nos envolvemos com a parte artística da banda. Nossa função é gravar e, posteriormente, mixar a música”, ressalta Diego Cordes, técnico do estúdio do Jaçanã.
Para marcar horário em um dos cinco estúdios, basta preencher um cadastro presencial na recepção de uma das unidades da Fábrica de Cultura. Depois disso, o artista passa por uma entrevista com os próprios técnicos de som. É justamente neste bate-papo que o músico apresenta a proposta e fala da sua experiência com música. “Muitos são bastante inexperientes, mas alguns chegam aqui com uma bagagem legal. O que falta é oportunidade mesmo”, complementa Marko Conca, técnico de áudio do estúdio da Brasilândia.
Ainda segundo os técnicos de áudio, os estilos são bastante variados, embora o rap e o samba apareçam com mais força na periferia. “A gente se surpreende todos os dias com a quantidade de coisas legais que aparecem por aqui. Tem muita gente do gospel e também do rocknroll. É bem variado. Não há, de fato, uma padronização musical. Buscamos sempre dar atenção para o artista porque, às vezes, os caras têm ideias boas, mas falta um direcionamento”, afirma Daniel Maia, técnico de som do estúdio da Vila Nova Cachoeirinha.
Cada sessão dá ao artista a chance de utilizar o estúdio por até 4 horas. Após a gravação, a banda também pode participar do processo de mixagem do trabalho, mas, para isso, precisa fazer um novo agendamento no estúdio. No geral, os grupos ficam satisfeitos com o trabalho feito pelos técnicos. Raros são os casos em que o artista pede para que a gravação ou a mixagem sejam refeitas.
“Muitos pedem para aumentar o volume da voz. Acham que está muito baixo. É o que mais acontece”, informa Diego Cordes.
Quem marca hora e não comparece, fica impedido de usar o estúdio nos próximos seis meses. “Foi uma tática adotada para evitar furos e gente que não está comprometida com o projeto. No começo, muitos não vinham e tiravam o lugar de outros que poderiam estar aqui gravando. O número de abstenções diminuiu bastante”, crava Diego. O valor total gasto nos estúdios das cinco Fábricas de Cultura das zonas norte e sul foi de R$ 2,7 milhões. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.