Variedades

Último registro de Jair Rodrigues vira série

Cinco meses antes de morrer, Jair Rodrigues fez seu último registro para um especial cantando quatro músicas familiares em seu repertório, mas que jamais havia gravado. O tango argentino Uno, o bolero mexicano Besame Mucho, a italiana O Sole Mio e a marcha feita pelo filho Jair Oliveira, Embaixo Dessa Bandeira, em homenagem ao Brasil na Copa de 2014. As canções foram gravadas pela produtora S de Samba em parceria com a Dogs Can Fly como partes do projeto S de Samba Sessions, dirigido por Victor Abreu, que está sendo exibido pela plataforma de vídeos Vevo. Na próxima segunda, 9, a última será mostrada ao público: Uno, de 1941, que Jair cantava durante sua fase de crooner nas noites de São Paulo. O jornal O Estado de S.Paulo mostra os áudios com exclusividade no portal.

Jair é entrevistado por Simoninha e conta os motivos de ter escolhido este repertório. “As pessoas sempre pediam para eu cantar essas. Quando eu terminava, o cara vinha trazendo duas caixas de cerveja ou vinho. Aí a gente vendia para o dono da boate e levava o dinheiro para casa.” Outras séries do S de Samba Sessions já foram feitas com Luciana Mello, Wilson Simoninha, Claudio Zoli, Zeca Baleiro e Walmir Borges.

Jair Rodrigues estava em pleno vapor. Sua voz vinha segura mesmo nas alturas e seu vibrato soava macio. O formato dos vídeos, de acompanhamento econômico, valorizava suas nuances. Em Uno, são apenas sua voz e o piano Fender Rhodes de João Cristal.

Jair apareceu para aquelas gravações com a alegria pela qual era conhecido, uma força que atropelava qualquer dor. Simoninha lembra-se de ter chegado ao estúdio com os ânimos destruídos para uma das gravações. Pela manhã, havia levado sua velha cadela para ser sacrificada, depois de 14 anos de companhia. Jair percebeu a tristeza e não se conformou até dissipá-la com palavras de conforto. “Ele percebia tudo”, diz Simoninha.

A alegria de sambista também poderia se tornar a angústia de um cantor argentino, como se uma simples introdução de piano pudesse virar a chave. Em Uno, vai às profundezas de uma interpretação ardida e silenciosa. Segue assim até a última nota, quando João Cristal encerra com a maciez do Rhodes. Jair então o aplaude como criança e gargalha, como se tudo que acabara de acontecer fosse apenas e tão somente mérito do parceiro.

Colocá-lo como um cantor feliz, por outro lado, é quase um reducionismo histórico. A importância do homem de Igarapava que teria feito 75 anos no dia 6 de fevereiro se o coração não lhe tivesse pregado um golpe na sauna de sua casa, em maio de 2014, é bem maior. Jair fez com Elis Regina o primeiro disco de vendagem estelar na música brasileira, o Dois na Bossa, de 1965. Números não oficiais falam em 1 milhão de cópias vendidas. Elis mesmo dizia que eram 120 mil. Ao descer do palco para tocar em seu público, fazendo-o cantar junto, quebrava o paredão sagrado, erguido pela velha guarda do rádio, ensinando que palco e pista, vida e canção, eram simplesmente um a extensão do outro. Quando sua alegria transbordava, ele não se continha. Dançava, descia do palco e, como chegava a fazer no programa O Fino da Bossa, que apresentou ao lado de Elis entre 1965 e 1968, plantava bananeira.

Quando chegou 1966, Jair já estava grande o bastante para interpretar Disparada, de Geraldo Vandré, no II Festival da Música Popular Brasileira da TV Record. Vandré torceu o nariz. Não se convencia de que as travessuras do garoto Jair estavam à altura do drama que pedia o épico sertanejo criado para ganhar aquela parada. Sem preparar seu coração para as coisas que Jair iria cantar durante um dos ensaios na Record, Vandré quase enfartou ao ver sua criação ganhar vida nova. Jair foi para o combate e venceu o festival. Melhor, empatou com um Chico Buarque defendendo A Banda nada muito convicto. Anos depois, o próprio Chico reconheceria que bom mesmo era Jair e sua Disparada.

E então, cinco meses antes de sua morte, Jair resolve voltar aos anos em que era apenas um cantor da noite. Lembra disso com alegria ao ser entrevistado por Simoninha no S de Samba Sessions, como se dissesse que as vitórias da vida nem lhe importavam tanto. Bom mesmo era aquela felicidade incontrolável. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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