Aílton Graça é um ator que leva muito a sério seus projetos. Até demais. É que, integrante do elenco da peça “Intocáveis”, ele juntou o espetáculo com o trabalho na recém-concluída novela “Império” (na qual viveu a personagem Xana) e, com isso, tornou-se, ele mesmo, um “intocável”. “Apelei para o ensaio virtual”, diz o ator. “Comentava sobre a peça nas redes sociais ou por telefone.” Após cerca de quatro meses de preparação, a montagem estreou nesta sexta-feira, 20, no Teatro Renaissance, em São Paulo.
“Intocáveis” conta a história real da relação entre o milionário francês Philippe Pozzo di Borgo e seu cuidador, o argelino Abdel Yasmin Sellou. A trama foi vista no longa homônimo, de 2011, com direção de Olivier Nakache e Eric Toledano, que se tornou o filme francês mais visto no mundo. Na época, levou mais de 23 milhões de pessoas ao cinema e teve distribuição em mais de 50 países, batendo o queridinho “O Fabuloso Destino de Amélie Poulain” (2001, de Jean-Pierre Jeunet).
Publicada em diversos formatos, a história possibilitou ao adaptador José Rubens Siqueira beber de diversas fontes. Segundo ele, a pesquisa começou pelo filme, que foi visto e, depois, teve seu roteiro lido. Ele ainda assistiu ao documentário “A la Vie, à la Mort” (de 2003, de Isabelle Conttenceau e Jean-Pierre Devillers), que originou o longa. Só então escreveu a peça. “Com o texto já pronto, li o livro (O Segundo Suspiro, publicado pela Intrínseca)”, diz Siqueira, que aproveitou trechos da publicação no espetáculo.
No enredo, Philippe (interpretado por Marcello Airoldi) é um senhor que, após um acidente, se torna tetraplégico. Impossibilitado de se mover do pescoço para baixo, ele procura por um cuidador e acaba contratando Driss (nome que Abdel leva no filme e na peça), um negro, morador de uma zona periférica, pertencente a um universo completamente diferente. Mesmo com todas as diferenças, eles desenvolvem uma forte relação de amizade.
“A peça é sobre o encontro e sobre como esse encontro modifica as partes envolvidas”, diz o diretor Iacov Hillel. “O bonito disso é o afeto masculino entre uma pessoa que necessita da outra, e a outra, que pode ajudar.” Ele destaca que o contraste entre os personagens pode ser visto de várias formas: o rico e o pobre, o branco e o preto, o erudito e o popular.
Impossibilitado de transpor a totalidade das cenas do filme para o palco – há excertos de difícil execução no teatro, como uma perseguição em carros ou o momento em que Driss faz a barba de Philippe, brincando com vários estilos -, Hillel optou por reduzir o cenário, dando margem à imaginação do público.
“Em vez de trabalhar com quadros e paredes na casa de Philippe, consideramos que o espectador está de frente para o infinito”, diz o diretor, ponderando que a ideia pode ser vaga, já que palcos são finitos. Sobram poucos objetos cênicos, como uma cama e a essencial cadeira de rodas. De resto, Hillel optou pela projeção de filmagens das janelas de um antigo casarão na Avenida Paulista, na altura do número 1.919. “Nosso pano de fundo é o céu.”
Também parcialmente ausente por conta das gravações da série “Vizinhos”, do GNT, Marcello Airoldi tem o papel mais desafiador do enredo, já que só pode usar o rosto para se comunicar. “Este é meu trabalho mais formal, no sentido de que estou dentro de uma forma”, diz o ator. “Pensei que isso fosse deixar o trabalho mais simples, mas pelo contrário: o fato de ficar parado muda completamente a força da voz.” Ele explica que um tetraplégico como Philippe não tem força para falar normalmente, não consegue gargalhar. “E você também não tem o gesto que vai junto, que ajuda na expressão.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.