Variedades

Sharon Van Etten lança quarto disco durante festival Popload Gig

Uma jovem grita enquanto dirige, com a cabeça para fora da janela do carro. Berra pela liberdade, e pela simples possibilidade e diversão de fazê-lo em alta velocidade. Ela e a amiga, Sharon Van Etten, mantinham esse pequeno ritual. Compravam um maço de cigarros, algumas latas de Coca-Cola e partiam para a estrada, de carro. Há dez anos, elas conseguiram repetir a dose uma última vez. Hoje, a amiga que prefere ficar anônima mora no estado do Tennessee, enquanto a outra vive em Nova York. A primeira vive com os filhos, enquanto a outra passa grande parte dos seus dias distante de casa, viajando de cidade em cidade, palco em palco.

É a imagem daquele grito de liberdade juvenil, da amiga hoje distante, que estampa a capa do Are We There, quarto disco de Sharon, lançado no ano passado e peça central a ser exibida nesta sexta-feira, 12, no Cine Joia, em São Paulo, em mais uma edição do festival Popload Gig. “Reencontrei essa foto pouco antes de lançar aquele disco”, ela conta, ao telefone. “Perguntei se poderia usá-la na capa do álbum. Mesmo que não dê para ver o rosto dela, ela ficou apreensiva. Mas adorou se ver na capa do meu disco. Foi um período muito importante das nossas vidas.”

Sharon é uma contadora de histórias – grande parte delas, integrantes da sua bagagem pessoal. Foi assim que a artista se descobriu, já tardiamente, aos 28 anos – os seis últimos deles vivendo em um “relacionamento abusivo”, como ela mesma diz. Ao telefone, a voz delicada da cantora, considerada uma das melhores da cena indie norte-americana, soa mais tímida do que nas canções. Aos 36 anos, Sharon se compreendeu como artista a ponto de brincar consigo própria. Em uma entrevista à Interview Magazine, por exemplo, ela revelou que sua mãe, a professora de História Janice Van Etten, pergunta quando ela vai compor uma música feliz. “Ainda digo a ela que, quando eu começar a compor canções alegres, aí, sim, todos deverão começar a se preocupar.”

A sonoridade adotada por Sharon, aos poucos, vai ganhando mais luminosidade. Because I Was In Love, o primeiro dela, de 2009, era voz e violão, com pequenas inclusões de outras vozes ou instrumentos, aqui e ali. “Porque eu estava apaixonada”, diz o título do álbum de estreia, o primeiro passo da carreira, mas soava como uma justificativa para tudo o que ela havia vivido em um relacionamento predatório.

Com Epic (2010) e o aclamado Tramp (2012), ela continuou a dar voz às angústias que a atormentavam. A vida na estrada, então, passou a tomar grande parte do tempo dela e, obviamente, foi parte importante da fonte de inspiração nesses anos todos.

Are We There reflete esses seis últimos anos, acompanhada pela banda. “São músicas que nasceram desse desejo de ter uma vida normal. Uma vontade de estar em um relacionamento, e sentir em casa de novo.” Trechos foram levados ao estúdio, onde grande parte da ideia do disco se desenvolveu. “Eu tinha as demos das músicas, gravadas só por mim. Havia uma ideia de como elas seriam, mas você nunca sabe ao certo como o álbum vai soar. Eu e os músicos embarcamos nessa mesma ideia e seguimos com isso. Eles se juntaram a mim e conseguimos um resultado muito mais verdadeiro do que eu imaginava ser possível.”

O título do disco brinca com a ideia de estar em movimento constante – é a estrada que fala mais alto aqui. A ausência do ponto de interrogação ao fim do título é uma brincadeira dela com as palavras, para enfatizar a vida itinerante sem fim, sem a chegada ao ponto final – ou, neste caso, a interrogação. Afraid of Nothing abre o disco de forma vagarosa. Ela quase sussurra ao amante, numa súplica desesperada em “nada temer” e, enfim, viver um amor quase impossível.

A melancolia de Sharon não é soturna. É um romantismo daqueles difíceis de se encontrar por aí, nada exagerado ou estupidamente sombrio.
Ao longo das 11 canções do caminho desenhado por Are We There, isso fica claro. A escolha pela foto, ainda mais justificada. Aquele gosto amargo deixado pela saudade, em contraste com as boas lembranças evocados pela imagem. “Encontrei essa fotografia quando voltei à casa que morava com um antigo namorado”, conta. “Nunca imaginei que ele teria guardado aquilo, uma fotografia tão antiga. Mas lá estava ela, cheia de poeira. De repente, percebi: isso era o que tinha se tornado a relação com a minha amiga. Algo antigo, empoeirado. Ela construiu uma família. E eu, tão focada na minha música, não conseguia pensar mais na minha vida. O disco nasceu dessa ideia de mudar isso.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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