Variedades

Exposição reúne as pioneiras da arte na Primeira República

Algumas das obras presentes na exposição Mulheres Artistas: As Pioneiras (1880-1930), aberta no sábado, 13, na Pinacoteca do Estado, nunca foram expostas ou são praticamente desconhecidas. Nada mais injusto. Há entre elas desenhos, telas e esculturas que dizem mais sobre a época em que viveram essas mulheres do que muitos livros sobre a história da arte.

Organizada pelas curadoras Ana Paula Simioni e Elaine Dias com acompanhamento de Fernanda Pitta e da equipe de curadores da Pinacoteca, a mostra ocupa duas salas do museu com 50 obras das artistas, tanto as que viriam a ser consagradas no modernismo – como Anita Malfatti (1889-1964) e Tarsila do Amaral (1886-1973) – como as que foram esquecidas por se rebelar contra o chauvinismo da Academia, sendo automaticamente excluídas do circuito de exibição pública.

Uma delas foi a pintora e escultora paraense Julieta de França, a primeira mulher a receber no Brasil o prêmio de viagem à França, concedida pela Escola Nacional de Belas Artes (Enba), para estudar na renomada Académie Julian, onde estudou Tarsila, em Paris, cidade onde morou por cinco anos.

Transgressão

Julieta de França (1872-1951) foi tema de um livro em que figura um ensaio da curadora Ana Paula Simioni, autora de uma tese premiada em 2004, justamente sobre pintoras e esculturas acadêmicas brasileiras. “Julieta ficou esquecida pela dificuldade que tinha em se integrar ao sistema, desafiando seu superiores, como Rodolfo Bernardelli, então o mais importante escultor da época e diretor da Enba, que lhe fechou as portas dos principais salões de arte”, conta a curadora. Aluna dos escultores Rodin e Bourdelle durante o período francês, Julieta foi a primeira mulher a frequentar aulas de modelo vivo no Brasil, proibida para elas até 1897. Na mostra, o desenho de um nu feito em 1901 pela artista chama a atenção pela perfeição dos traços desinibidos – talvez um pouco além da conta para o público da época.

Duas esculturas na segunda sala reforçam a qualidade de sua obra, da qual ela não tinha dúvida. Tanto que, em 1906, ao participar de um concurso para a construção do Monumento à República, não se conformou ao ser recusada pelo júri, no que muitos enxergam o dedo de Bernardelli, que escolhia os jurados dos concursos públicos.

“Ela, então, pegou a maquete de gesso, levou para a França, submeteu-a ao julgamento de Rodin e outros notáveis, voltou ao Brasil e entrou com uma petição que afrontou o júri”, observa a curadora Ana Paula Simioni. Conclusão: Julieta, transgressora por natureza, mãe solteira numa época em que isso era escândalo, acabou cavando a própria sepultura artística num meio conservador e obscurantista como o brasileiro do começo do século passado.

Ousadia

“Essa mulheres deram uma resposta à altura”, diz a curadora Elaine Dias, que, ao lado de Ana Paula, vasculhou coleções privadas e públicas atrás de obras que há décadas não viam a luz do dia. É o caso de vários nus expostos na primeira sala, onde se destacam as modernistas Anita Malfatti e Tarsila do Amaral, ao lado de artistas menos populares, como a transgressora Julieta de França, e Angelina Agostini (1888-1973), que, em 1913, se pintou com a alça da lingerie caída na tela Vaidade, e, na mostra da Pinacoteca, está representada por desenhos de nus masculinos. A mãe de Angelina, Abigail de Andrade (1864-1890), também está na exposição, mas na segunda sala, dedicada à pintura de gênero, naturezas-mortas e autorretratos.

A história de Abigail de Andrade daria uma ópera de Puccini. Ela engravidou do professor, Ângelo Agostini, que era casado, fugiu com ele para Paris, ficou tuberculosa e perdeu o segundo filho na capital francesa, morrendo pouco tempo depois do parto. Como viveu pouco mais de 25 anos, produziu algo em torno de 50 quadros, isso numa época em que as mulheres só eram estimuladas a pintar como passatempo.

Apesar do preconceito contra a presença da mulher na arte, algumas fizeram carreira e conseguiram até sucesso na profissão, como a própria Abigail, que chegou a vencer os conceituados Castagneto e George Grimm. A Semana de Arte Moderna de 1922 viria a contribuir ainda mais para a integração das mulheres no meio artístico. Há na mostra duas pinturas (nus femininos) pintados por Tarsila do Amaral em sua temporada parisiense, justamente no ano em que os artistas modernistas agitavam o Teatro Municipal com a escandalosa Semana.

Recuo

Outro nu – masculino, desta vez – destaca-se ao lado de Tarsila, um desenho de Anita Malfatti que posteriormente, após as críticas de sua primeira exposição brasileira, recuou e trocou os expansivos traços expressionistas por uma pintura tímida. Anita não exibia esses nus em suas exposições, lembram as curadoras da mostra, que eram definidos como “viris” nos anos 1920 até mesmo por Mário de Andrade, segundo elas. Os críticos certamente esperavam que as pintoras seguissem como amadoras domesticadas, pintando interiores e naturezas-mortas.

A campineira Nicota Bayeux (1870-1923), de quem se sabe bem pouco além do fato de ter estudado na Académie Julien, voltou ao Brasil quando eclodiu a guerra, em 1914, mas trouxe na bagagem uma tela (hoje pertencente ao acervo da Pinacoteca) que em nada fica a dever ao clima angustiante das pinturas do expressionista norueguês Edvard Munch (1863-1944), seu contemporâneo, que também passou por Paris. A pintura, Coeur Meurtri (Coração Ferido, 1913), reproduzida acima, é um dos destaques de uma exposição que tem ainda a ousadia da sufragista Georgina de Albuquerque (1885-1962), introdutora do impressionismo no Brasil.

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