A imagem do jovem prodígio que iniciou a carreira aos 12 anos, tocando e gravando os dois concertos de Chopin, tornou-se tão forte que às vezes é difícil lembrar que o pianista Evgeny Kissin é hoje um homem de 43 anos. Nem tudo mudou, porém: o russo continua a ser um dos grandes nomes do piano internacional – e nesta quarta, 17, faz dois aguardados recitais solos na Sala São Paulo.
Kissin deveria ter se apresentado no Brasil em 2012, também pela temporada da Cultura Artística, mas a morte de seu pai fez com que ele cancelasse a viagem, agora retomada. Nas duas apresentações, o repertório é o mesmo, com obras de Mozart, Beethoven, Brahms, Albeniz e Larregla. Kissin é avesso a entrevistas, mas falou ao jornal O Estado de S.Paulo por e-mail – e explicou que escolheu as peças para os recitais “por amor”.
“Sinto que alguns aspectos da atividade dos músicos são mais simples e menos misteriosos do que se imagina. Não há uma ideia específica por trás do programa que montei para minhas apresentações em São Paulo. A única razão para a minha escolha de repertório é o amor que sinto por algumas obras. Meus gostos são muito amplos, o repertório para piano é extremamente vasto. Nesse processo, tento combinar peças maiores com outras menores. E se quero executar uma obra que pode ser difícil para a plateia, busco equilibrar com outras mais fáceis”, explica.
Kissin começou a estudar piano aos 6 anos e, com 10, fez sua estreia, interpretando um concerto de Mozart. Dois anos mais tarde, com a Filarmônica de Moscou, interpretou os concertos para piano de Chopin, que foram gravados e correram o mundo. Aos 14, realizou a primeira turnê fora da União Soviética e, pouco depois, cairia nas graças de Herbert von Karajan, se tornando convidado regular da Filarmônica de Berlim. Antes dos 20, já havia tocado nos principais palcos de Londres, Nova York e Paris, entre outras cidades. Não parou mais.
“Eu fui uma criança feliz”, responde ele quando questionado sobre a memória que guarda do início de sua relação com a música – e do começo de sua trajetória profissional. “Tive uma infância feliz. É difícil dizer que sentido as experiências da juventude definiram o músico que me tornei, mas estou certo de que todas as nossas experiências influenciaram a maneira como tocamos, mesmo que na maioria dos casos o próprio músico não saiba definir como isso se dá. Quando o jovem Joseph Hoffman perguntou ao grande professor Anton Rubinstein se deveria tocar determinada peça de um modo particular, ele respondeu: Quando o tempo está ensolarado, toque assim; quando chover, toque de outra forma. É isso um pouco o que acontece, mas sempre de maneira natural, sem que a gente perceba.”
Para Kissin, há algo de imponderável no trabalho do músico – e isso vale também para a releitura do repertório, que faz parte do cotidiano de qualquer intérprete. “Quando penso nas peças que tocarei no recital, por exemplo, acho que meus sentimentos com relação a elas não mudaram. Mas, na medida em que ganho maior experiência, naturalmente sou capaz de tocá-las melhor. É curioso que quando volto a peças antigas de meu repertório, sinto que minhas ideias sobre elas não mudaram, mas se ouço gravações do início da minha carreira, me dou conta do quanto toco diferente – e acho que isso tem a ver com o fato de que eu próprio passei por transformações.”
Kissin nasceu na União Soviética, é cidadão britânico e israelense e, depois de mais de uma década vivendo nos Estados Unidos, passa a maior parte de seu tempo em Paris, na França. Em outras palavras, fez da música sua pátria? “Minha herança judaica, assim como a russa, têm sido parte do que sou, como se fossem parte do meu corpo. Mas a música também tem sido assim e isso não tem nada a ver com onde vivo. Minha profissão é uma das mais internacionais do mundo. Mas, de certa forma, minha identidade será sempre a mesma, não importa a parte do mundo para onde o destino me levar.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.