A palavra pode ser escrita, cantada ou visualizada. Independentemente dos fins, para Arnaldo Antunes, os meios para alcançá-los sempre envolvem longos processos, de rascunhos feitos à mão, salvos em pastas no computador, editados, passados a limpo. Não necessariamente nessa ordem.
“É muito raro que eu me satisfaça com uma coisa que saia rapidamente, espontaneamente, e ache que está pronta. Sempre uso aquilo como matéria-prima para depois retrabalhar, seja subtraindo partes que estão sobrando, ou seja acrescentando coisas”, conceitua ele. “Preciso ver materialmente as diferentes opções, para poder ir escolhendo e chegando ao resultado.”
E como saber se, neste momento, Arnaldo está poeta, compositor ou artista visual? Não dá: os três simplesmente coexistem dentro dele. E podem atuar, todos eles, em sincronia. Prova disso é que Arnaldo, além de atualmente retomar sua agenda de shows e se dedicar à gravação de um novo disco, lança um livro de poemas inéditos, Agora Aqui Ninguém Precisa de Si – com direito a evento com performance poética e projeções de Marcia Xavier nesta terça, 23, no Cine Joia – e, a partir de julho, vai expor suas obras, entre caligrafias, colagens, instalações, vídeos, na mostra Palavra em Movimento, que terá início em São Paulo.
Ele participará também da Flip deste ano, no dia 4, com Karina Buhr, da mesa Desperdiçando Verso. “Nem sei ainda (como será a mesa). Fui selecionado para fazer junto com a Karina pelo fato de a gente ser músico e ter publicado livros numa mesma época. Adoro o trabalho dela.”
Agora Aqui Ninguém Precisa de Si compila seus poemas, escritos ou visuais, realizados nos últimos cinco anos (seu livro mais recente, n.d.a, havia sido lançado em 2010). Ou até há mais tempo, como pedra de pedra, que estava guardado nos arquivos de Arnaldo, sem uma resolução aparente. “Peguei ele e o enfrentei. Achei que cabia bem no livro, um poema maior”, conta Arnaldo. “pedra de pedra de pedra/o que a faz tão concreta/senão a falta de regra/de sua forma assimétrica/incapaz de linha reta?”, inicia-se o poema.
Os experimentos caligráficos se mostram parte importante em sua obra, a ponto de esse tipo de arte visual já ter sido tema exclusivo de exposição e livro dele. No novo livro, aparecem poucos exemplares do gênero, mas, segundo Arnaldo, a caligrafia se mantém como território de grande interesse para ele. “É uma linguagem pela qual sou apaixonado, por toda sua tradição. Expressa sugestões de sentidos que vão para além daquilo que as palavras grafadas estão expressando. E tem essa coisa de ser uma extensão do corpo, porque incorpora o gesto, a velocidade, o tremor da mão, a espacialização das palavras no papel.”
As incursões pela escrita se mesclam aos trabalhos visuais, com presença de destaque das fotografias de placas, que despertam a atenção de Arnaldo em suas viagens pelo mundo, enxergando nelas rico material para suas poesias visuais, com combinações de imagens ou mesmo fragmentação delas. Caso de recuerde, também saída de seu acervo mais antigo para o livro. “É uma fotomontagem, fiz uma série de fotos dessa placa de dentro do carro com o retrovisor.” O olhar mira para frente, o retrovisor deixa para trás o passado.
Concreta
No livro Como É Que Chama o Nome Disso – Antologia, de Arnaldo Antunes, lançado em 2006, ele já falava o quão lhe parecia natural, desde sempre, a atitude lúdica com a linguagem. “Eu lembro de um dos primeiros poemas que fiz, que já tinha um procedimento experimental. Li ele na classe, no ginásio, a professora me pediu para ler em voz alta. Eu devia ter uns 12 ou 13 anos”, rememora Arnaldo, no livro.
E é, sobretudo, na poesia concreta que Arnaldo consegue dar vazão ao “processo do brincar” com a palavra, o corpo a corpo com a linguagem, apropriando-se dos preceitos do movimento concretista, que prega, entre outros pontos, a valorização do conteúdo sonoro e visual e o jogo com formas, fragmentação e montagem das palavras.
Trazendo na sua ampla bagagem de referências literárias a influência de nomes como Haroldo de Campos, Arnaldo reúne, em Agora Aqui Ninguém Precisa de Si, uma boa coleção de poesias concretas, em que ora as palavras, quando desconstruídas, podem originar outros significados, ora, quando combinadas, emulam a mesma sonoridade. “Acho que a poesia concreta radicaliza um procedimento que é da poesia de todos os tempos: essa relação de aproximar o sentido daquilo que você está dizendo à forma como você diz”, afirma ele.
Artista de vanguarda, Arnaldo Antunes transita, sob bons olhos, pelos diferentes métiers nos quais atua. É músico respeitado, autor de diversos livros publicados, artista com exposições realizadas no Brasil e no exterior, incluindo Bienais do Mercosul e de São Paulo. Ele acaba de sair de um período sabático, que durou seis meses, em que aproveitou para compor para seu novo álbum, ainda sem nome, que deve ser lançado no segundo semestre. “Estava pensando em fazer um EP, mas acabei decidindo fazer um disco inteiro. O primeiro dia de gravação foi na segunda, no Rio.”
Na época em que o debate sobre as biografias não autorizadas pegava fogo, Arnaldo se posicionou contra a censura delas e, por isso, concorda com a recente decisão do Supremo Tribunal Federal de liberá-las. “Acho que se inaugurou uma discussão muito interessante, de até que ponto a preservação da intimidade ou a privacidade das pessoas se contrapõem ao direito de liberdade de informação, de expressão”, avalia. “Roberto Carlos diz que sabe mais da vida dele do que qualquer pessoa. Ele sabe uma versão, e a vida da pessoa é feita de versões que se completam. O que você sabe sobre você não é necessariamente uma verdade absoluta, você é também a imagem que as pessoas têm de você. Acho que é uma questão viva ainda socialmente.”