Portofino é um resort à beira do Golfo de Gênova, no litoral da Itália. Há séculos é ali que a parte da elite política e cultural da Europa passa o verão. Nos anos 1960, o lugar foi descoberto pelas estrelas do cinema americano e tudo ficou ainda mais badalado. Júlio César, Napoleão Bonaparte, Elizabeth Taylor, Jacqueline Kennedy, George Clooney, Jennifer Lopez… A lista de frequentadores poderosos através dos tempos é tão eclética, quanto extensa. A aldeia não tem mais do que 600 habitantes, mas oferece tudo o que é preciso para ser feliz no verão: dias ensolarados, natureza exuberante, arquitetura simples e arejada e uma cozinha de se ajoelhar diante dos camarões cozidos, lulas marinadas, frutos do mar à milanesa, macarronadas, risotos, etc. e tal. O vinho branco gelado também está sempre à mão das mulheres de vestidos leves ou calças capri e dos homens que vestem camisas claras de linho realçando o bronzeado. Conhecer o espírito do lugar é absolutamente necessário para entender a razão que levou a grife Dolce & Gabbana a apresentar a sua coleção de Alta Moda nesse balneário, na semana passada.
“A moda não vive apenas de rótulos. Junto com a roupa, você precisa oferecer emoção e sensações diferentes, você tem que ser capaz de contar uma história”, diz o estilista Domenico Dolce, que comanda a marca ao lado de Stefano Gabbana. No caso, a história foi contada de forma intensa, em quatro dias de desfiles e festas que reuniram a nata do jornalismo de moda mundial, centenas de suas melhores clientes, a maioria delas vindas da Rússia, da China, do Brasil e do Líbano, e um staff com mais de 100 modelos, dúzias de bailarinos profissionais, maquiadores, cabeleireiros, além de produtores de moda, de som e luz, entre outros grupos de apoio.
O auge do evento ocorreu na noite de sexta, 17, no jardim do Castello Brown, uma fortaleza do século 16 incrustada no alto de uma colina – o que fazia todo o sentido, já que o ponto de partida para a coleção foi a peça Sonhos de uma Noite de Verão de Shakespeare, escrita entre 1594 e 1596. Comprada recentemente por Dolce, a construção é seu segundo endereço no balneário. Para chegar até lá, gasta-se 15 minutos de caminhada em subida íngreme. Por isso, as convidadas foram advertidas a deixarem os saltos de lado e irem de rasteira. Na entrada, rapazes com roupas usadas por nobres da dinastia inglesa Tudor seguravam aros floridos em fileiras, formando uma espécie de túnel de flores, tudo no clima da obra de Shakespeare. Pausa para fotos, vídeos e risos. “Nós amamos essa peça porque ela passa a sensação de que a vida está entre a fantasia e a realidade. Fica sempre a dúvida: esse sonho é real?”, diz Stefano Gabbana.
Mais adiante, via-se um escriba e uma harpista tocando a música folclórica inglesa Greeensleeves. Acrobatas com asas de anjos em balanços aéreos faziam pose enquanto os convidados se acomodavam em torno de uma grande passarela (uma árvore de ponta-cabeça, com galhos para baixo e raízes para cima, dava um toque mágico à cena). E, então, surgiram as modelos ao som dramático da ópera Aida, de Giuseppe Verdi. Os vestidos rodados, armados e altamente decorados se equiparavam em extravagância a toda a mise-en-scène. A coleção levou dois anos para ser elaborada.
Foram 94 looks, sem nenhuma estampa ou bordado repetido. A renda preta, que marca as criações dos estilistas e lembra os antigos vestidos das mamas italianas, surgiu em um vestido que modelava o corpo, com forro cor da pele. Lindos corpetes e peças elegantes de alfaiataria com bordados de flores davam um toque cool ao show que, de maneira geral, foi ultraexuberante. Os motivos exóticos, como papagaios e melancias, apareceram na seda dos vestidões de festa. Caftãs foram feitos com tecido vintage estampado com plumas de pavões. Cada look era uma história e todos pareciam falar alto, como uma italiana do Sul, cheia de personalidade. As joias escreveram um capítulo à parte, com brincos gigantes e coroas douradas. Flores frescas também serviram para enfeitar os cabelos das modelos. A maquiagem suave, em tons de rosa e pêssego, aliviaram o peso do conjunto.
“O mundo da moda, em geral, parece estar se movendo em direção a dois polos opostos: o ultrabarato, chamado fast fashion, e a costura que é construída com trabalhos manuais refinados e detalhados”, avaliou a jornalista Suzy Menkes, em sua crítica sobre o desfile para a Vogue. A grife Dolce & Gabbana, agora, está completamente focada no caminho do luxo. Em 2011, a marca fechou sua linha D&G com preços mais acessíveis para investir nas coleções de prêt-à-porter e de Alta Moda, além das linhas de joias e de roupas masculinas.
Domenico vem de uma família da Sicília, seu pai era alfaiate, e ele se mudou para Milão nos anos 1970. Stefano cresceu em Veneza, sua mãe trabalhava em para uma lavanderia, e ele se formo designer em Milão. Os dois se conheceram em uma balada. Dolce, formado no Istituto Marangoni, levou Gabbana para trabalhar com ele no ateliê de Giorgio Correggiari, até que, em 1985, a dupla partiu para lançar a própria marca. Foram casados até 2003, período em que tornaram a estampa de onça uma febre fashion, que vestiu Madonna em uma de suas mais cultuadas turnês, em 1993, e construíram um verdadeiro império. “Poucos na moda hoje começaram do nada como nós e mantiveram suas marcas, como um negócio privado. Nós somos os donos da marca e, por isso, temos o dobro de problemas”, disse Gabbana, ao jornal O Estado de S.Paulo, em seu iate atracado na Baía de Portofino. “Em compensação, somos livre para fazer as coisas da nossa maneira.”
Depois do desfile, um jantar com placement para os 400 convidados foi servido em quatro horas, envolvendo todo o ritual da gastronomia italiana e culminando em uma festa com chuva de papel picado ao som de O Sole Mio. No dia seguinte, Gabbana abriu as portas de sua casa para o desfile de Alta Sartoria, que trouxe uma moda masculina sofisticada, e também acabou em uma big party, com direito a dançarinas de charleston e pratos de lasanha distribuídos com descontração.
Na despedida, uma noite black-tie, intitulada Oro, convocava as convidadas a vestirem-se de dourado. De repente, surpresa: um show da cantora Kylie Minogue. Era o gran finale, com um show superexclusivo, como as coisas costumam ser em Portofino. Por ali, os milionários acomodam-se em hotéis de frente para mar azul, com diárias entre ¤ 500 e ¤ 1.500, na alta estação. Os bilionários têm as próprias casas nos morros que circundam a baía, onde as pessoas tomam sol, comem bem, dormem tranquilamente e sentem-se bonitas e felizes. “Moda é uma questão de lifestyle”, conclui Dolce. E, nesse caso, que lifestyle!
A REPÓRTER VIAJOU A CONVITE DA ORGANIZAÇÃO DO EVENTO