Gustavo Taretto jura que não se inspirou na cena inicial de A Doce Vida. No clássico de Federico Fellini, o helicóptero carregando a estátua do Cristo sobrevoa Roma e, na cobertura de um prédio, descreve um movimento para que o repórter Marcello (Mastroianni) possa admirar as mulheres seminuas que tomam banho de sol. O sagrado e o profano segundo Federico Fellini. “Confesso que nunca pensei nisso, e você é a primeira pessoa que faz essa ligação”, disse o diretor numa entrevista realizada em São Paulo, após a apresentação de Las Insoladas no Festival de Cinema Latino-americano. O filme estreia nesta quinta, 13, na mesma Reserva Cultural em cujo bistrô o diretor conversou com o repórter. “Mas amo Fellini e aquela imagem está no meu imaginário. Pode ter sido algo inconsciente.”
Por outro lado, o desejo de voltar a Buenos Aires como cenário é perfeitamente consciente. “Medianeras já dialogava não apenas com a paisagem, mas com a arquitetura da cidade. Sou muito atraído por prédios, por aquilo que ajudam a revelar sobre os personagens. O isolamento dessas mulheres no alto do edifício me atraía pelos múltiplos significados. O terraço funciona como uma ilha e a fantasia do sol do Caribe está na essência da história.”
Las Insoladas retrocede à Argentina dos anos 1990, durante o governo de Carlos Menem. A paridade entre dólar e peso argentino criou uma euforia econômica incompatível com a realidade. Por um breve período, a classe média viveu o sonho das viagens e do consumo. Las Insoladas é sobre isso. “Lá no alto, isoladas e cozinhando ao sol, elas enlouquecem. Consideram-se especiais, superiores, e não é verdade.”
O diretor prossegue – “Meu pai trabalhou a vida inteira sonhando ir a Paris e eu fui antes dele. Isso deu um nó na minha cabeça.” Taretto fala do pai, mas logo em seguida destaca que as mulheres foram sempre dominantes na família. Mãe, irmãs, tias, primas. “Vivi sempre entre mulheres e me acostumei desde cedo a observá-las. Mulheres falam muito entre elas. Nos reduzem (os homens) ao silêncio.” Talvez tenha sido por isso que contratou uma roteirista – Graciela García – ao retomar um curta que havia feito em 2002. “A estrutura do filme e as personagens são minhas, mas precisava dela para desenvolver os diálogos e as situações. Com o casal de Medianeras podia me virar sozinho, mas aqui são seis mulheres. A roteirista e as atrizes foram decisivas.”
Na trama de Las Insoladas, nessa Argentina enlouquecida pela vertigem das viagens, as protagonistas, todas amantes da salsa – o ritmo musical – sonham com Cuba e o Caribe. Mas elas não têm dinheiro. Sentem-se excluídas da euforia coletiva. “Aisladas/Isoladas”, define o diretor. O filme as coloca nessa terra de ninguém. Acima da cidade, e abaixo do poder aquisitivo da população naqueles anos de milagre – tão artificial que não se sustentou. Não, Taretto também não viu La Terraza, de Ettore Scola, mas com certeza conhece outros filmes do diretor “e a comédia italiana é sempre inesgotável. Humor mais observação humana e social. Gosto muito”.
Ele não poupa elogios às atrizes. Carla Peterson, Maricel Alvarez, Luisana Lopilato, Marina Bellatti, Elisa Carricajo e Violeta Urtizberea vêm de diferentes mídias. Além da diferença de idade, as próprias carreiras não batem – algumas são muito conhecidas na TV, outras vêm da produção independente de teatro e cinema. “Queria montar um elenco heterogêneo porque o grupo também é. Mas precisava que elas realmente formassem um grupo.” O processo ajudou. “O isolamento, o calor de 40 graus. A insolação, os desmaios, tudo ocorreu de verdade. Elas (as atrizes) foram de uma entrega absoluta.” E sobre o que é o filme? “Não sei se a metáfora fica clara, mas para mim, tomar sol, como fazem as mulheres na cidade, é desconcertante. Seria natural numa praia. Ali, num mundo que se transforma, mas muda de forma muito rápida e pouco ética – as pessoas ganhavam dinheiro com especulação -, me parece estranho. Queria criar esse estranhamento e dar-lhe um sentido político.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.